sexta-feira, setembro 30, 2005

Res Publica - A escravatura com salário.

III - A Revolução Indusrial

Há uns tempos largos estava eu farto da retórica sobre a herança clássica da democracia, de quão agradecidos tínhamos de estar ao pensamento grego e à evolução (questionável) da sociedade e perguntava-me:
- Atão Maneli, se isto tem sido uma evolução porque é que estamos cada vez mais na mesma?
E foi assim que decidi ir ver por mim aos livros e construir a minha interpretação das coisas. Está a explicação dada. Para tal já havia adquirido e ainda não lido, uns livrinhos em inglês/grego, sim porque isto de se dar a entender que se fala estrangêro, fica bem e dá prestigio, quanto mais não seja do oleoso como o barco que se afundou ao largo da Galiza. Oleoso, Prestige, tão a ver? – Disse uma piada porra!
Bem, como referi, comprei uns livrinhos com uns bonecos dentro, os quais são reproduções de pinturas gregas em objectos de cerâmica e como motivos decorativos nas paredes de construções. A loja é na Plaka, um dos bairros mais velhos de Atenas, a par com o de Monastiraki, logo na primeira rua quando se desce da Acrópole, contornando-a pela face norte ao longo da Theorias. O dono, o Sr. Niko (Nikopolidis) é um verdadeiro poço de cultura não censurada pela herança judaico-cristã, para além de amigo de um outro grego meu amigo, ao qual presto aqui a minha homenagem, o bom Evangelos Nannos, Vangelis para os amigos. Foi ele que me aconselhou os livros, os quais versam sobre um tipo de arte que não caiu nas garras dos arqueólogos europeus e americanos que pilharam a Grécia, assim como outras civilizações antigas. Um dia, lá mais para a frente, os bonecos e outros conteúdos dos livros serão objecto de tratamento. Aprende-se muito a beber vinho grego ou “ouzo”, ao som de umas “Busukadas” e a comer “sipura” grelhada (dourada).
Saltando uns séculos e com o advento da máquina ferramenta, vieram os verdadeiros “democratas” da revolução industrial, reconhecendo “finalmente” o direito ao trabalho às mulheres e até às crianças, no seguimento do iluminismo que por azar, só por azar, para uns tinha as lâmpadas fundidas.
A força bruta dos homens foi substituída pelas mãos pequenas e dedos ágeis das mulheres e crianças, melhor adaptadas às novas condições tecnológicas e mais capazes para manusear os teares mecânicos. A isto aliou-se a possibilidade de maior lucro pelos patrões, uma vez que era entendimento comum que a retribuição salarial a pagar a mulheres e crianças teria de ser menor, por não haver força bruta implicada.
E eu a pensar que a Revolução Industrial havia sido um bem para a humanidade em geral como consta dos livros do ensino que temos. No entanto, a verdade é bem mais terrível, em pouco tempo todas as barreiras do inadmissível foram ultrapassadas e nas regiões mais industrializadas do Reino Unido a degenerescência da raça foi assustadora e a esperança média de vida desceu a 35 e a 15 anos de idade.
Assim se explica, de forma resumida, os grandes êxodos de emigrantes para o novo mundo, i.e., a segunda leva em massa, porque a primeira assentou na oferta de um bilhete, só de ida, às prostitutas de todas as grandes cidades do reino, assim como da oferta do estatuto de colono à grande maioria dos detidos nas prisões da Grã-Bretanha. Promoção oferecida pelo Rei Jorge I e retribuída duas gerações mais tarde ao seu neto Jorge III pelos netos dos colonos com a independência das 13 Colónias. Que ingratos. Afloro aqui, a voil d’oiseau , a fuga à fome dos irlandeses, situação também oferecida pela casa real britânica devido aos moços gostarem de ser católicos e terem tido uma pequena empatia pelo Napoleão. Não, não é o conhaque, é o Bonaparte mesmo.
Retomando. A revolução industrial transformou as massas pobres camponesas em massas pobres operárias das cidades industrializadas da velha Albion. Era autêntica mão-de-obra escrava, antes os homens, agora mulheres e crianças, famílias inteiras, tomavam uma frugal refeição junto às máquinas e quando o empregador dava por finda a jornada de trabalho, recolhiam aos catres de um barracão imundo montado a propósito nas imediações. Aí, por patrões e capatazes, sofriam muitas vezes abusos sexuais e quando do acto resultasse gravidez, ou eram despedidas ou pariam junto às máquinas, morrendo muitas vezes de febre puerperal.
Por outro lado, o trabalho infantil era entendido como uma necessidade vital do capitalismo, actualmente denominado de liberalismo económico, uma vez que era necessária a perícia das mãos pequenas e finas para o manuseio das novas tecnologias, como agora o é para manufacturar calçado desportivo e bolas de marcas de renome mundial. Das vozes que se ergueram contra tal estado das coisas, algumas o capitalismo soube como calá-las, “untando” com dinheiro as mãos do clero discordante, comprando os pequenos burgueses com postos de trabalho para altos dirigentes ou comprando os jornais contestatários. Da mesma forma que se compram agora os dirigentes associativos universitários para que não façam ondas, ou os potentados da informação compram os jornais discordantes. Há exemplos desses na política portuguesa e que hoje ocupam altos cargos em Portugal e na Europa Unida…às vezes!
Chegamos à nossa democracia. Actualmente as mulheres ainda não recebem salário igual ao dos homens em quase todas as actividades em que emparelham com eles. Em algumas fábricas do nosso país crianças manuseiam explosivos, máquinas de fazer calçado ou outras e recebem um terço do que um homem recebe. Nem lá deveriam estar. Que se lixe, não são meus filhos.
Aos sucessivos governos da nossa “democracia” interessa manter este estado de coisas. O povo numa quase iletracia, crendo que a democracia que temos é a melhor forma de governo. É-o de facto melhor do que qualquer ditadura, mas não é a melhor democracia, aliás, não é democracia, é partidocracia, interesse económicocracia, lobbycracia, tudo menos vontade popular verdadeira.
Vejamos o ensino. Não é o número de anos de frequência escolar que define a assimilação de cultura por um povo, é a qualidade da cultura que se transmite que formará melhores sociedades. Elevar em número de anos o ensino obrigatório não é garantia de melhor educação, nem se poderá nunca partir dessa premissa. Só serve para estatística. Como poderá alguma vez o ensino público ter a atenção séria e honesta da classe política se têm os seus filhos a estudar até ao 12º ano em instituições privadas, para garantir uma boa média de acesso, quer pela competência de algumas dessas instituições, quer pelo “comprar” da média, indo depois para o ensino público universitário porque é mais barato e lá leccionam os amigos do papá. É que convenhamos, ter um “canudo” da pública é mais “in”, não significando ser-se melhor licenciado. Depois há as empresas do “estado” para garantir os empregos aos filhos dos old chaps. Exemplos? Vão à PT, à EDP e a outras e vejam quantos filhos de figuras públicas lá estão empregados. É o eterno ciclo do “uma mão lava a outra e as duas lavam a cara”.
A juventude não protegida de hoje apercebe-se disso bastante cedo e então, tomando consciência da qualidade de sociedade e de futuro que lhes estamos a proporcionar, facilmente segue outros caminhos. Vivem uma pseudo igualdade com os outros jovens da sua idade de classes mais favorecidas. Então se são mais favorecidas, quem lhes fez os favores e não os fez aos outros, aos que mais precisam?
Qual mais favorecidas, qual nada, há é classes mais protegidas e outras sem protecção nenhuma. Assuma-se de uma vez por todas a verdade da MENTIRA que é a “democracia” portuguesa.
Políticos do meu país, quando em campanha eleitoral pelas ruas da minha pátria se depararem com alguns cidadãos que se afastam ostensivamente de vocês, posso ser eu e outros tantos como eu que nada querem convosco, não são dignos de nós. Pelo meu lado é também por medo de vos pisar. Não porque vos possa magoar, mas porque já tenho as botas caneleiras rotas nas solas e ao pisar-vos, para além de sujá-las, vou também encharcar as meias com a matéria viscosa e fétida de que vocês são feitos.

terça-feira, setembro 27, 2005

Timeo danaos et Dona Ferentes *



II – A Demo Kratia

O favorecimento instituído a todos os níveis é um mal que julgava conotado com regimes políticos ditatoriais, uma vez que por princípio, só por princípio, as democracias deveriam assentar na igualdade perante a lei. Não sou muito supersticioso, mas por via da sistemática jurídica ou de um acaso qualquer, então não é que o Princípio da Igualdade está consagrado precisamente no 13º artigo da nossa constituição?
O que é facto é que a nossa “democracia” se faz à custa de compadrio, tachos, cunhas, pensões de reforma douradas, jobs for the boys, jobs for friends, lobby disto, lobby daquilo, lobby gay, opus Dei, enfim…lobis e lobisomens às catadupas.
É verdade, verdadinha jurada, a competência é letra morta na nossa “democracia”, nunca houve maior sentido nas palavras de George Orwell: “Todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais do que outros”. A desculpabilização dos “nabos” é garantida pela solidariedade partidária e o silêncio para os ”pequenos pecados” é disfarçado com demissões públicas ao estilo:”Assumo as minhas responsabilidades políticas e demito-me”. Querendo isto dizer: Usga-se…desta já me safei!
A cópia da Demo kratia ateniense foi quase levada à risca, comportamentos incluídos, isto é, com vícios privados e tudo. Na antiguidade, no berço da civilização ocidental, não havia a democracia que se pretende enfiar pelos olhos dentro dos incautos e da qual, pasme-se, as actuais democracias se proclamam herdeiras. É que a democracia ateniense, apregoada pela retórica política positivista desde o liberalismo, não assentava no poder do povo, leia-se plebe (vide Cap.I). Em Atenas (Cidade estado) não se reconheciam os mesmos direitos a todos, as mulheres não os tinham e os escravos eram coisas. Esta forma de definir a existência humana era como Platão ou Aristóteles classificavam convictamente os tipos sociais.
A Demo kratia tinha e tem outro significado: Demo significa tribo e kratia significa poder. Logo, estamos perante o poder das tribos, as quais, através dos seus representantes, se reuniam regularmente para discutirem e legislarem. Na Grécia antiga, o governo da “democracia” ateniense estava entregue ao Conselho dos 500, organismo encarregado de elaborar as leis. Neste Conselho tinham assento 50 representantes de cada uma das dez tribos atenienses e a sua direcção ou prítania era exercida alternadamente, em períodos iguais, pelos representantes de cada tribo, os prítanes. No pritaneu, a casa dos prítanes, guardavam-se as Leis de Sólon e aí se alimentavam à custa do Estado, i.e., dos pagadores de impostos: os generais vitoriosos, os vencedores dos jogos olímpicos e, de um modo geral, os beneméritos da cidade.
No sistema político grego não havia votação para eleger os representantes da tribo para o Conselho dos 500, isto é, já lá estavam, faziam parte da mobília, eram as Demos (partidos) com mandato vitalício. Assim, quando se queria por alguém na rua, porque não governava bem ou porque se fartavam dele, a malta escrevia o nome do “meco” numa concha (ostrakon) e o rapaz exilava-se, ia à sua vida ou cortavam-lhe o fornecimento de oxigénio. Daí que ainda hoje quando se diz que alguém foi votado ao esquecimento diz-se que foi votado ao ostracismo.
Hoje já não há ostrakon quando os “mecos”, isto é, os boys se portam mal, a Demo, i.e., o partido, pune-os com um tacho ainda melhor do que o que tinham antes e vão todos celebrar com ostras e champanhe, numa afirmação clara de se estarem a borrifar para as “bostadas” que fizeram.
Mas até ao nível linguístico e científico a “democracia” importada escondia gato com rabo de fora. Vejamos, como mero exemplo, como os gregos classificavam os amantes das várias áreas do saber e não só. Denominavam os benfeitores dos homens por:
Philo+antrophos; Filantropos = Philo (amigo) + antrophos (homens);
Philo+Sophos; Filósofos = Philo (amigo) + sophia (saber); Pedi+philo;
Pedófilos = Pedi (criança) + philo (amigo).
O quê? Então hoje uma pessoa que goste de crianças no sentido humano e natural não se denomina pedófilo? Quem adulterou o significado da palavra? Ninguém. Era mesmo assim. Na Grécia antiga ter um rapazinho por companhia fazia parte do status. Era normal o discípulo acompanhar o mestre e ficar quase sempre de pé junto dele. Não se sentava porque lhe doíam os fundos, digo eu. As mulheres eram para cuidar da oikos (casa) e para ter filhos. Foram os romanos que puseram alguma moralidade nisso, mas a palavra ficou associada a esse desvio do comportamento porque socialmente não era reprovável na época.
Aos jogos olímpicos só assistiam homens e os atletas disputavam-nos nus. Havia o culto da anatomia masculina. Recorde-se, a propósito, as palavras de Luciano, criador do diálogo satírico;”Como os jovens tem de se despir diante de uma grande assembleia de homens, pensamos que se esforçarão por adquirir um aspecto exterior agradável a fim de não terem vergonha de se apresentarem nus”. O sentido estético do nu masculino era encorajado e a promiscuidade homossexual masculina era frequente. Os gregos veneravam a beleza do corpo. Enquanto os concursos de beleza masculinos se realizavam em Elis, os femininos tinham lugar na ilha de Lesbos, conhecida por lá viverem as mulheres que não queriam casar e também as mais belas, no conceito actual. Foi Safo de Lesbos a primeira mulher a escrever poesia onde se narrava o amor homossexual feminino. Mas aqui surge uma contradição. Se hoje se denomina a homossexualidade feminina de lésbica, porque não se denominará a masculina com qualquer palavra derivada de Elis, mas sim por pederasta, derivada de pedi (criança)?
Pois é, era o próprio Luciano que descrevia as mulheres como a sociedade grega as entendia;”O corpo de um homem não deve ser gordo e branco como o de uma mulher, empalidecido pela longa permanência em casa. Vede os nossos jovens bronzeados! São como devem ser os homens: cheios de vida, de calor e força viril, radiantes de felicidade, belos (…)”. Na volta este também atracava de popa.
Na “democracia” de hoje já é condenável esse tipo de comportamento, isto é, será mesmo? Cá pelo burgo, o único autor confesso de crimes de abuso sexual a menores tem de andar com colete à prova de bala, os outros como não confessaram não correm perigo. Tem dinheiro, conhecimentos e segredos para obter a sua justiça. Fazem a sua vidinha normalmente, só lhes foi aplicada uma medida de coacção ligeira. Abuso de menores? Tudo invenção das crianças. Pudera, são os filhos dos desfavorecidos que frequentam as Casas Pias deste país. Se fossem os dos poderosos era outra coisa, mas como não são, todos aqueles senhores bem falantes são inocentes. É o velho vício dos poderosos da Demo kratia ateniense a ecoar no presente da nossa democracia.
Se somos todos culpados? Claro que sim. Continuamos a aplaudi-los nas televisões, a votar neles para órgãos de poder, a vê-los acompanhados de jovens e meninos e nada se faz porque…
Nasci de uma mulher e os meus filhos também. Tenho colegas de profissão e de trabalho que são mulheres, adoro as mulheres, ler a sua poesia e acerca delas, desenhos e pinturas incluídos, tudo sobre elas. Quanto às crianças não se fala. São espécie a preservar, intocáveis. Sempre.
Como é que há mulheres coniventes com estas situações? Elas que são, por natureza, a primeira linha de defesa das crias, ou deveriam ser.
Sonho com o dia em que o direito encontre a justiça, porque um e outra ainda não são a mesma coisa, longe disso, bem longe disso. Um dia…talvez um dia.
*Temo os Gregos mesmo quando dão presentes.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Veritas odium parit

I – Da Monarquia à III República

- Viva a República!
Com este grito lançado ao ar na parada do quartel de Caçadores 9, no Porto, o sargento Abílio de Jesus Meireles, expressou a necessidade de liberdade e progresso social que a monarquia não dava à nação.
Naquele distante Janeiro de 1891, tal como em Outubro de 1910 e em Abril de 1974, nem todos os militares se uniram no derrube de regimes que oprimiam os anseios de liberdade e de justiça de todo um povo.
Na primeira data, antecipada às pressas por causa da traição do sargento Castro, um bufo da época, cujo acto não permitiu a chegada a tempo do General Sebastião Calheiros, resultou no morticínio dos militares revoltosos no Campo de Santo Ovídio, na cidade do Porto.
Alguns militares de então, que hoje a toponímia republicana homenageia como heróis da República, em várias ruas de Portugal, não estavam para aí virados. Foram eles, em abono da verdade histórica, diga-se, os republicanos Latino Coelho, Sousa Brandão e Elias Garcia. Ninguém os encontrou na manhã daquele distante 31 de Janeiro de 1891.
Mais tarde, em Outubro de 1910, crentes nas balelas dos prosadores republicanos da época, alguns militares ousam sonhar de novo a aventura. Tais prosadores tinham escrito e orado sobre os males da monarquia, mas ainda antes de soar o clarim da revolta, desapareceram como que por mistério. Essa burguesia republicana prometera empenhamento e acção, jurando aos militares e ao povo que mal soasse o sinal combinado avançaria e ao lado deles tomaria lugar.
Às primeiras contrariedades recuaram, levando ao suicídio do Almirante Cândido dos Reis, o qual assim procedeu desiludido com a fraca resposta dos oficiais do exército quando o movimento se pôs em marcha, convencido que a insurreição falhara.
A verdade histórica terá de ser assumida e contada um dia, haja persistência de busca nas raramente procuradas estantes das bibliotecas nacionais. Contrariarei sempre, apoiado documentalmente, a prosápia oportunista de que foram meia dúzia de maçons e outros tantos idealistas, que fizeram cair a monarquia pela força dos seus discursos inflamados. Tal seria conspurcar a memória do povo anónimo que se bateu na Rotunda (Marquês de Pombal), no Rossio e em Alcântara, assim como a dos militares que se mantiveram nos seus postos, honrando a palavra dada, após o abandono da luta por alguns oficiais, na manhã de 4 de Outubro de 1910, com a esfarrapada desculpa de que muitos dos seus camaradas não tinham comparecido à chamada. Colheram-se frutos da lição? …nem todos!
Em Abril de 1974, com conhecimento histórico ou não, mas não querendo repetir erros do passado, os militares puseram-se em marcha sem o conhecimento da burguesia intelectual, não fosse o diabo tecê-las.
Que sucedeu?...Ainda o regime corporativista, sim corporativista, aqui não houve fascismo no sentido “Mussoliníco” do termo (permitam-me a adaptação), isso é retórica tóxica para envenenar aqueles (as) cuja busca pelo conhecimento assenta nos jornais desportivos e nas revistas cor-de-rosa. Dizia eu, ainda o Professor Marcelo Caetano não tinha entrado na “chaimite” e já a burguesia republicana e os proletários de opereta preparavam o assalto ao poder. Como? – Recrutando militares para as suas fileiras ideológicas.
Foi uma alegria imensa ver regressar os “heróis” que corajosamente haviam combatido o “fascismo” a partir da Rádio Argel e de confortáveis apartamentos em Paris ou Moscovo, enquanto os militares colonialistas-fascistas haviam lutado, morrido, ficado estropiados ou regressado com doenças do foro psicológico, devido a uma guerra que nunca quiseram. Não é tudo, houve tortura sim, nas prisões do regime pré 25 de Abril não se davam festas aos que foram presos por motivos políticos. Nada que o mentor dos sofridos não houvesse já feito (bem pior) nos Gulags do imenso paraíso do “Sol na Terra” – Mas a verdade deve prevalecer sempre, doa a quem doer.
Aqueles que passaram por essas situações de prisão em nome de um ideal que a própria terra mãe já rejeitou têm o meu maior respeito e admiração sinceras. São homens e mulheres de ideal, crentes nas suas convicções, apesar de não serem as minhas. Não dessa forma. Ao menos mantêm a camisola que sempre envergaram, não virando a casaca como muitos já fizeram. E que garantia há que não o farão de novo?
A seguir foi o assalto ao aparelho de Estado, as intentonas, o constante revirar de situações político-militares, o retorno à calma para voltar tudo ao mesmo. A vergonha que foi o regresso, retorno ou lá o que lhe queiram chamar, dos portugueses de África e a que a prosápia republicano-maçónica chamou de descolonização.
Urge recuar no tempo e na história para perceber o fenómeno. No passado foi a burguesia mercantilista que querendo subir de status quo comprava os títulos nobiliárquicos dos nobres que iam ficando tesos, hoje há licenciados por essa enorme e prestigiada instituição que é o Instituto Superior Técnico e outras do país, que colocam no seu curriculum vitae haverem sido licenciados por Coimbra. Porque será?
É simples. Buscam um qualquer traço de distinção que lhes permita um pseudo status. Afirmam-se defensores do povo a que pertencem, mas não definem povo. Essa definição deu-a Almeida Garrett. Para este escriba o povo eram «aqueles que por seu talento ou valor, ou importância adquirida, ou herdada, por todos quantos pelo merecimento, por cabedais, mérito pessoal, se elevaram em consideração da massa geral a todas e qualquer proeminência social», continuando a figura (de caca) das letras portuguesas que «o resto era plebe».
Ora toma lá para aprenderes. Os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, saídos da Revolução Francesa, são por eles definidos sem nunca ultrapassar a sua visão egocêntrica da sociedade. Se no passado eram os títulos que os distinguiam, hoje é o tratamento “tiozónico” e por você, mesmo quando se mandam à caca ou levar no esfíncter ou na vulva é por você que se tratam. Não há cá vulgaridades, o povinho é que se trata por tu.
Hoje, após anos de silêncio e resignação, os militares começaram a ficar chateados, mas não é de agora que são assim tratados. Já em 2 de Setembro de 1888 o Jornal O Sargento comentava assim a perseguição que as autoridades monárquicas e os oficiais de topo adeptos da causa lhes moviam: «Hoje rompemos as hostilidades que julgamos necessárias e merecidas. E que nos dêem baixa de posto e que nos tirem as divisas, e que nos transfiram. Quem mal ensina, quem mal cumpre os seus deveres e governa, provoca o espírito de insubordinação que nenhum castigo vinga reprimir».
Mais uma vez, tal como no passado, o poder político tomou a nuvem por Juno, isto é, restringiu o meio militar a oficiais generais, pensando assim controlar a situação. Antes, como agora, com promessas de cargos públicos após o abandonar das fileiras, pedindo em troca mão férrea sobre a plebe militar. Esqueceram os últimos, não todos felizmente, os ensinamentos de Nicolau Maquiavel:”O inimigo aprecia a traição mas despreza profundamente o traidor”. Esqueceram porque julgo que “O Príncipe e a Arte da Guerra”, anotado e comentado por Napoleão Bonaparte, seja um livro de culto de qualquer instituto militar que se preze.
Quando vejo militares nas ruas assaltam-me a memória as palavras de um senador de Roma, general comandante da XII Legião quando mais jovem, referindo-se às compensações prometidas aos legionários que regressavam a Roma após as campanhas de pacificação nas fronteiras do Império: “Que nenhum dano sofra a República, pois se um dia os gládios deram passo às togas, um outro dia poderão tolhe-lo, assim elas vão longe demais no exercício do poder”.
Voltarei.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Os Militares

Esta é a forma de homenagear aqueles que "por obras valerosas da lei da morte se foram libertando". Neles incluo o meu falecido pai, assim como todos aqueles que de uma forma ou de outra algo perderam, incluindo a vida, em nome de Portugal. A todos aqueles que em Àfrica, nos Balcãs, em Timor, no Iraque, no Afganistão e pelo mundo inteiro, onde quer que hajam sido chamados a cumprir o dever, honraram e continuam a honrar o nome de Portugal.
Este é um texto que guardo religiosamente porque...porque "Esta nação é obra de soldados."
A El – Rei
Senhor, umas casas existem, no Vosso Reino, onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã a um toque de corneta se levantam, para obedecer. De noite, a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da vontade fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza das suas acções é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar.
Quando eles passam na rua juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por MILITARES: Eu cá chamo-lhes padres. Padres de religião Augusta, a única possível nos dias de hoje; a do civismo. Por essa divina humildade que os faz semelhantes a coisas, eles se levantam acima dos outros homens.
Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem: como se os cobres do pré pudessem pagar a LIBERDADE e a VIDA. Publicistas de vista curta acham-nos caros demais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão.
Eles, porém, calados, continuam guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço da sua sujeição, eles compram a liberdade para todos e a defendem da invasão estrangeira e do jugo das paixões.
Se as forças das coisas os impede agora de fazerem em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o farão. E, desde hoje, é como se o fizessem.
Porque, por definição o Homem de guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha à sua esquerda vai a coragem, e à sua direita a disciplina.

Moniz Barreto … 1893

quarta-feira, setembro 07, 2005

O Animal Político


Decidi debruçar-me sobre o cenário político cá do burgo. Assim de repente, pronto. Não que goste muito, mas sempre são eles que nos vão tolhendo o caminho para o progresso e para a verdadeira paz social. Por interesse próprio, claro, pois tem de haver sempre alguma coisa para se prometer e não se pode fazer tudo de uma vez.
Ele vai ser um fartar vilanagem de jobs para os boys autárquicos, assim como para o séquito de sua alteza real, pseudo republicana, Dr. Mário Soares.
Talvez nas próximas eleições presidenciais vote da mesma forma que o fiz quando foi necessário “correr” com o Dr. Vale e Azevedo do SLB, isto é, votei no Dr. Manuel Vilarinho, como teria votado no Pato Donald ou no Homer Simpson. O que importava era correr com o homem, embora a alternativa fosse fraca, lesando também ele, a seu tempo, o SLB ao “correr” com o Professor José Mourinho para, em seu lugar, colocar um ilustre membro da “Irmandade do Tonel”.
Desta vez votarei no Mickey, no Pateta ou noutro “cromo” qualquer, posto que o “falhado” do poeta-deputado ou deputado-poeta, nem ele sabe, se retirou da luta em nome de uma eventual desunião do partido. Esperava mais dele. Tão imbuído estava dos seus conhecimentos de português, que se esqueceu da figura triste que acabara de fazer, ao engolir em directo e ao vivo um sapo de dimensões ciclópicas.
Da mesma forma que o visto e revisto candidato guardou o socialismo na gaveta, traindo, à época, quem nele areditou, o poeta, de rabo entre as pernas, fez o mesmo aos princípios a que inicialmente se propôs, negando e bem a existência do Sebastianismo, mas engolindo-a de imediato, penitenciando-se, em seguida, com dez leituras sucessivas de O Capital.
Assim sucede porque o burgo é parco de ideias renovadoras e o entendimento sobre alternância democrática situa-se ao nível da alternância de cargos e não de ideias políticas sérias. É a dança das cadeiras. Tenho para mim que o problema é cultural. Em vez de educação sexual nas escolas, que virá a seu tempo e é obrigação primária dos pais, urge a educação cívica, política, sobre direitos e deveres sociais. Mas uma educação deste tipo não lhes interessa promover, pois formar politicamente, não partidariamente, os cidadãos, era dar-lhes uma arma que a breve trecho baniria a maioria da mediocridade que grassa no nosso cenário político.
Mas também a imprensa, ou como agora sói dizer-se, os media, tem um papel fundamental que não exercem, tudo em nome de interesses económicos e de percentagens em audiências. Ao menos no jornalismo escrito deveria proliferar uma vertente mais formadora e não só informadora, esta emoldurada por dúbios interesses editoriais, relegando para segundo plano a sua verdadeira função: A de informar com verdade e isenção, contribuindo para o desenvolvimento cultural da sociedade.
Aprofundemos. Há uns anos um célebre escriba do nosso panorama jornalístico apelidou o Dr. Mário Soares de “animal político”, querendo referir-se à sua adaptabilidade aos novos tempos e aos novos ventos de neo-liberalismo económico, sendo logo seguido por uma catrefada de “colegas” que nem se preocuparam em determinar a origem da “bacorada”, denotando uma de duas coisas ou ambas; ou uma absoluta falta de cultura ou um total desrespeito pelos destinatários da informação.
Nesse dia e nos que se seguiram, Aristóteles andou, onde quer que se encontre, aos tombos na campa. É que o homem foi o autor da célebre frase querendo com ela dizer que o homem, por natureza, é um animal que tem de viver em sociedade, na polis (a cidade estado da Grécia antiga). A frase original rezava assim: Anthropos physei politikon zoon, isto é, o homem (anthropos–thropos), por natureza (physei), politicamente (politikon), é um animal (zoon – zoologia). Há livrinhos de frases feitas, as quais empregues fora de contexto dão nisto.
Agora o homem está de volta e como tenho para mim que os insubstituíveis estão no cemitério, não poderei em consciência, nem por acreditar nos princípios base da democracia, votar na sua recandidatura. A ultima ratio prende-se com o estado das actuais finanças públicas e nos constantes flashbacks que tenho do homem em cima duma tartaruga, creio nas Seicheles, ou num elefante na Índia. Os cofres públicos e o “Zé” e as as “Zefas” de Portugal já não aguentam mais aviões fretados e cheios de “matula” tudo à conta dos mesmos e eles por cá a apertar o cinto, de tal forma que este já se tornou em pulseira de relógio, tal o regime dietético aplicado.
O homem não é um animal político, no sentido jornalístico ou noutro sentido qualquer, é antes um sedento de poder, crente de forma alucinada na sua pseudo capacidade para salvar a pátria. Cobra-nos o seu grande passado de lutador político de forma cínica, metódica, coadjuvado pelo homem com nome de filósofo e só, num plano sem precedentes para uma governação sem oposição de qualquer espécie.
Bem sei que a oposição não se opõe, que o líder do maior partido do contra não tem estatura, que o discurso do PC está gasto e démodé, que o BE não é alternativa, ou será? – Que o CDS-PP, o quê?
A democracia e os seus princípios estão doentes numa escala sem precedentes, os seus agentes esquecem-se por quem são mandatados e a quem deveriam dirigir os actos da sua governação, fazendo-o antes no seu interesse e para os interesses partidários que servem.
Enfim, é o Isaltino e o familiar-taxista rico da Suiça, é o Valentim com o seu passado “imaculado” desde os seus tempos de cadete na Academia Militar, é o queijo limiano e a Fátima Torres. É verdade que também há disto lá fora, só que são punidos e impedidos de voltarem a exercer cargos públicos. Não, não há animais políticos no sentido aristotélico do termo, há sim é bestas interesseiras que colocam acima das necessidades dos que os elegeram o interesse do partido que os protege ou do grupo de interesse económico que servem.
Porque mais havia por escrever e muito mais há para pensar fico-me por aqui, talvez vá ouvir “Eine Kleine nacht musik“ e ler um pouco.

A quem melhor cantou o meu Alentejo


Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do monte
A planície é um brasido...e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o Sol pesponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

In FLORBELA – Espanca, Charneca em Flor -1930.

Nota de Abertura

Sentado na esplanada de um café na Avenida da Igreja, em Lisboa, zona onde resido e me sinto imigrante, numa destas tardes de Setembro, a adivinhar a abençoada chuva, vou bebericando o aperitivo para a janta, ouvindo de forma discreta, mesmo sem querer, a conversa da mesa do lado, cujos três intervenientes, diga-se en passant, faziam pouco caso de serem ou não ouvidos.
Enquanto lia O Independente, intercalando com uns golinhos no meu Gin tónico, sempre com o ruído de fundo da bendita conversa, fiquei a saber que um dos cavalheiros era um quadro alto numa empresa de renome, outro pareceu ser economista e o terceiro, o mais falador e o melhor apetrechado com sistema de som dado pela natureza, era, de acordo com o próprio, director de qualquer coisa num órgão de soberania nacional. Tudo gente com formação, perdão, com um grau académico, dedução retirada face ao formalismo com que se tratavam entre si.
Aquilo era de “xôtor” para cá e para lá.
Haviam acabado de jogar uma “futebolada” no Inatel e estavam ali a abrir o apetite para a janta, já que aquela tarde de sexta-feira ia quente.
Falaram nas férias em Cabo Verde, tecendo elogios às fêmeas locais, às mariscadas que comeram e às praias espectaculares que frequentaram. Gozaram aqui e ali com a pronúncia portuguesa de alguém que até os recebeu na sua casa e lhes ofereceu uma jantarada. A conversa ia decorrendo brejeira, com umas tiradas menos correctas que outras, do ponto de vista do domínio da língua pátria, até que se ouviu uma sirene, altura em que a conversa mudou para o flagelo dos incêndios que assolou, mais uma vez, o nosso Portugal.
Apesar de imbuídos de certezas absolutas porque a empresa onde um trabalha fornece serviços ao Estado e conhece “muita gente com influência”, outro porque trabalha para o Estado, “ao nível da estrutura governamental” e o terceiro, o economista, porque “está muito bem informado, já que o seu chefe é unha com carne com o ministro d…”.
Cada um discorreu o melhor que sabia sobre a problemática dos incêndios, de como deveria estar estruturada a organização e comando dos Bombeiros e da Protecção Civil, etc., etc.…
Cada um lá terá a sua opinião e eu cá pelo meu lado respeito-a, uma vez que não domino conhecimentos suficientes sobre a matéria para contestar ou apresentar melhor solução.
A conversa era agradável e ajudava a passar o tempo. Eu mantinha o jornal aberto somente para não ser óbvio de mais que estava a ouvi-los a 100%. As tricas do este conhece aquele, do aquele é incompetente mas o “fulano de tal” exigiu uma colocação para ele na Protecção Civil, pois quando este foi tropa o outro safou-o de boa, devido a uns dias de férias a mais, etc. Repito, estas tricas interessam-me mas apenas por mero gáudio.
Até que a palavra mágica foi proferida. Ribombou, qual trovão ensurdecedor, transportando-me de imediato às memórias de um passado ainda relativamente recente, em que alguém que me chefiou numa outra era, fazia gala num português ao mesmo estilo, sendo useiro e vezeiro nesta expressão, ora repetida, de conjugação errada do verbo Haver: - Vocês hadem ver!
Um dos “xôtores” havia proferido a password para o meu descontentamento, já não bastavam as calinadas sobre os tipos arborícolas da floresta portuguesa, a atribuição de significados errados a siglas de organizações ambientalistas, tudo desculpável até ali, agora chegava, urgia tomar notas de tudo o que pudesse causar hematomas à Gramática da Língua Portuguesa. Exclamei:
- Senhor X (o empregado de mesa, pessoa que conheço bem) tem uma esferográfica que me empreste por favor? – Já agora mais um ginzinho tónico que a tarde promete, com bastante gelo por favor!
Fui tomando notas discretamente, à margem do jornal, assim à laia de quem está a fazer palavras cruzadas, anotando tudo o que havia sido dito e sobre o que se seguiu. Hábito que me ficou das reuniões havidas com o tal chefe, uma vez que o homem tinha o hábito adquirido da “calinada reiterada com convicção”, negando em seguida havê-las proferido.
Este, para além de máximas como “o meu antigo sucessor”, “temos de avançar p’rá frente!”, ainda entregava documentos manuscritos que se “bateriam” depois em computador, “insistindo” em colocar os acentos tónicos na vertical, cabendo ao escriba a determinação da acentuação correcta da palavra, sempre coadjuvado com a preciosa ajuda do corrector do Word, existência que o dito chefe desconhecia. Agora estava tudo de volta com estes chefes de alguma coisa (espero que não), nalgum lugar. Fiquei a saber que a sigla Quercus, que não é sigla nenhuma, quer dizer “não sei o quê” numa língua qualquer. O “xôtor” da melhor projecção de voz não é obrigado a saber o que quer dizer o nome daquela organização ambientalista, agora o que não deve fazer é inventar. É que quercus é carvalho em latim, e que, segundo sei, é uma família de árvores da qual fazem parte, para além daquela, o sobreiro (quercus sober) e a azinheira (quercus …), já não me lembro. Outro esclarecimento, o eucalipto não é originário do norte da Europa, mas sim da Austrália.
Levantei-me e dirigi-me a um quiosque próximo, dizendo ao empregado de mesa que voltava já. Comprei um envelope e respectiva folha de carta e escrevi ali mesmo no quiosque as correcções que entendi fazer ao que acabara de ouvir, não porque seja um especialista na língua portuguesa, agora o que também não sou é inventor da mesma. Paguei, aproveitando para comprar os “Cem anos de solidão”, a dois euros e qualquer coisa. Que barata que está a leitura de um bom livro.
Em seguida dirigi-me ao balcão do café e paguei os dois gins tónicos, pedindo ao Sr. X, o empregado de mesa, que entregasse o envelope àqueles senhores, pedindo-lhe para dizer que quem o fez já havia saído, voltando, no entanto, a sentar-me na esplanada. Esperei o efeito. Fi-lo por raiva daqueles, poucos espero, que ocupando lugares de chefia fazem do seu dia a dia uma forma de obstrução contínua à cultura, fazendo gala de um analfabetismo moderno e militante, promovendo as suas carreiras por meio de processos ínvios, ou por aplicação diária de práticas BEMC (Bufos, Engraxadores e Maus Colegas, Companheiros ou Camaradas).
Fi-lo em nome do Sr. X, empregado de mesa de profissão, a quem os “xôtores” insistiam em chamar “psssst”, sabendo eu que o nome do senhor não é aquele, e a quem nunca disseram “por favor traga mais isto ou aquilo”, resumindo-se os seus pedidos a “São mais três imperiais!”.
Fi-lo também porque não gostei do tom jocoso com que se referiram à pronúncia portuguesa das gentes africanas, partindo o gozo de quem larga calinadas do calibre daquelas que ali se largaram.
De imediato após a leitura das anotações pelos três, dois deles baixaram de imedaito o volume, ouvindo-se o terceiro, o tal da melhor projecção de voz, fazer alusões à minha progenitora, conotando-a com a mais velha profissão do mundo, talvez tomando como exemplo alguém que conheça, sendo repreendido pelos outros, contribuindo esta atitude para um maior crescendo de voz, rematando com:
- “Se o Alberto João chama filhos da p… aos jornalistas na televisão, eu não o posso dizer na m… de uma esplanada?”
Pois é “xôtor”, a algumas pessoas o “canudo” só serve para lhes tapar o tamanho das orelhas e quanto à educação e ao comportamento em sociedade, escolheu o paradigma perfeito de cavalheiro.
Levantaram-se, pagaram e foram às suas vidas. Vejo-os ocasionalmente, sempre cheios de si. Lá se sentam de vez em quando, também ao fim da tarde, agora num canto da esplanada, falando num tom de voz dentro da normalidade aceitável, poupando a sensibilidade auditiva dos que também frequentam aquelas paragens.
A todos que amam a cultura, sobre qualquer forma que surja ou tome figura, bem vindos ao meu espaço que é também o vosso.
Há lugar à sombra para todos debaixo das copas dos quercus sober deste montado.