sexta-feira, setembro 23, 2005

Veritas odium parit

I – Da Monarquia à III República

- Viva a República!
Com este grito lançado ao ar na parada do quartel de Caçadores 9, no Porto, o sargento Abílio de Jesus Meireles, expressou a necessidade de liberdade e progresso social que a monarquia não dava à nação.
Naquele distante Janeiro de 1891, tal como em Outubro de 1910 e em Abril de 1974, nem todos os militares se uniram no derrube de regimes que oprimiam os anseios de liberdade e de justiça de todo um povo.
Na primeira data, antecipada às pressas por causa da traição do sargento Castro, um bufo da época, cujo acto não permitiu a chegada a tempo do General Sebastião Calheiros, resultou no morticínio dos militares revoltosos no Campo de Santo Ovídio, na cidade do Porto.
Alguns militares de então, que hoje a toponímia republicana homenageia como heróis da República, em várias ruas de Portugal, não estavam para aí virados. Foram eles, em abono da verdade histórica, diga-se, os republicanos Latino Coelho, Sousa Brandão e Elias Garcia. Ninguém os encontrou na manhã daquele distante 31 de Janeiro de 1891.
Mais tarde, em Outubro de 1910, crentes nas balelas dos prosadores republicanos da época, alguns militares ousam sonhar de novo a aventura. Tais prosadores tinham escrito e orado sobre os males da monarquia, mas ainda antes de soar o clarim da revolta, desapareceram como que por mistério. Essa burguesia republicana prometera empenhamento e acção, jurando aos militares e ao povo que mal soasse o sinal combinado avançaria e ao lado deles tomaria lugar.
Às primeiras contrariedades recuaram, levando ao suicídio do Almirante Cândido dos Reis, o qual assim procedeu desiludido com a fraca resposta dos oficiais do exército quando o movimento se pôs em marcha, convencido que a insurreição falhara.
A verdade histórica terá de ser assumida e contada um dia, haja persistência de busca nas raramente procuradas estantes das bibliotecas nacionais. Contrariarei sempre, apoiado documentalmente, a prosápia oportunista de que foram meia dúzia de maçons e outros tantos idealistas, que fizeram cair a monarquia pela força dos seus discursos inflamados. Tal seria conspurcar a memória do povo anónimo que se bateu na Rotunda (Marquês de Pombal), no Rossio e em Alcântara, assim como a dos militares que se mantiveram nos seus postos, honrando a palavra dada, após o abandono da luta por alguns oficiais, na manhã de 4 de Outubro de 1910, com a esfarrapada desculpa de que muitos dos seus camaradas não tinham comparecido à chamada. Colheram-se frutos da lição? …nem todos!
Em Abril de 1974, com conhecimento histórico ou não, mas não querendo repetir erros do passado, os militares puseram-se em marcha sem o conhecimento da burguesia intelectual, não fosse o diabo tecê-las.
Que sucedeu?...Ainda o regime corporativista, sim corporativista, aqui não houve fascismo no sentido “Mussoliníco” do termo (permitam-me a adaptação), isso é retórica tóxica para envenenar aqueles (as) cuja busca pelo conhecimento assenta nos jornais desportivos e nas revistas cor-de-rosa. Dizia eu, ainda o Professor Marcelo Caetano não tinha entrado na “chaimite” e já a burguesia republicana e os proletários de opereta preparavam o assalto ao poder. Como? – Recrutando militares para as suas fileiras ideológicas.
Foi uma alegria imensa ver regressar os “heróis” que corajosamente haviam combatido o “fascismo” a partir da Rádio Argel e de confortáveis apartamentos em Paris ou Moscovo, enquanto os militares colonialistas-fascistas haviam lutado, morrido, ficado estropiados ou regressado com doenças do foro psicológico, devido a uma guerra que nunca quiseram. Não é tudo, houve tortura sim, nas prisões do regime pré 25 de Abril não se davam festas aos que foram presos por motivos políticos. Nada que o mentor dos sofridos não houvesse já feito (bem pior) nos Gulags do imenso paraíso do “Sol na Terra” – Mas a verdade deve prevalecer sempre, doa a quem doer.
Aqueles que passaram por essas situações de prisão em nome de um ideal que a própria terra mãe já rejeitou têm o meu maior respeito e admiração sinceras. São homens e mulheres de ideal, crentes nas suas convicções, apesar de não serem as minhas. Não dessa forma. Ao menos mantêm a camisola que sempre envergaram, não virando a casaca como muitos já fizeram. E que garantia há que não o farão de novo?
A seguir foi o assalto ao aparelho de Estado, as intentonas, o constante revirar de situações político-militares, o retorno à calma para voltar tudo ao mesmo. A vergonha que foi o regresso, retorno ou lá o que lhe queiram chamar, dos portugueses de África e a que a prosápia republicano-maçónica chamou de descolonização.
Urge recuar no tempo e na história para perceber o fenómeno. No passado foi a burguesia mercantilista que querendo subir de status quo comprava os títulos nobiliárquicos dos nobres que iam ficando tesos, hoje há licenciados por essa enorme e prestigiada instituição que é o Instituto Superior Técnico e outras do país, que colocam no seu curriculum vitae haverem sido licenciados por Coimbra. Porque será?
É simples. Buscam um qualquer traço de distinção que lhes permita um pseudo status. Afirmam-se defensores do povo a que pertencem, mas não definem povo. Essa definição deu-a Almeida Garrett. Para este escriba o povo eram «aqueles que por seu talento ou valor, ou importância adquirida, ou herdada, por todos quantos pelo merecimento, por cabedais, mérito pessoal, se elevaram em consideração da massa geral a todas e qualquer proeminência social», continuando a figura (de caca) das letras portuguesas que «o resto era plebe».
Ora toma lá para aprenderes. Os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, saídos da Revolução Francesa, são por eles definidos sem nunca ultrapassar a sua visão egocêntrica da sociedade. Se no passado eram os títulos que os distinguiam, hoje é o tratamento “tiozónico” e por você, mesmo quando se mandam à caca ou levar no esfíncter ou na vulva é por você que se tratam. Não há cá vulgaridades, o povinho é que se trata por tu.
Hoje, após anos de silêncio e resignação, os militares começaram a ficar chateados, mas não é de agora que são assim tratados. Já em 2 de Setembro de 1888 o Jornal O Sargento comentava assim a perseguição que as autoridades monárquicas e os oficiais de topo adeptos da causa lhes moviam: «Hoje rompemos as hostilidades que julgamos necessárias e merecidas. E que nos dêem baixa de posto e que nos tirem as divisas, e que nos transfiram. Quem mal ensina, quem mal cumpre os seus deveres e governa, provoca o espírito de insubordinação que nenhum castigo vinga reprimir».
Mais uma vez, tal como no passado, o poder político tomou a nuvem por Juno, isto é, restringiu o meio militar a oficiais generais, pensando assim controlar a situação. Antes, como agora, com promessas de cargos públicos após o abandonar das fileiras, pedindo em troca mão férrea sobre a plebe militar. Esqueceram os últimos, não todos felizmente, os ensinamentos de Nicolau Maquiavel:”O inimigo aprecia a traição mas despreza profundamente o traidor”. Esqueceram porque julgo que “O Príncipe e a Arte da Guerra”, anotado e comentado por Napoleão Bonaparte, seja um livro de culto de qualquer instituto militar que se preze.
Quando vejo militares nas ruas assaltam-me a memória as palavras de um senador de Roma, general comandante da XII Legião quando mais jovem, referindo-se às compensações prometidas aos legionários que regressavam a Roma após as campanhas de pacificação nas fronteiras do Império: “Que nenhum dano sofra a República, pois se um dia os gládios deram passo às togas, um outro dia poderão tolhe-lo, assim elas vão longe demais no exercício do poder”.
Voltarei.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Meu grande e prezado AMIGO,
Eu, que até era um preguiçoso para a leitura, estou a tornar-me um leiturodependente dos teus posts. Aquela do leiturodependente, não ligues, porque foi a forma suave que encontrei, para não ser confundido com os "Drogbas da Heroína, ou outra ína qualquer."
Deus te ajude sempre meu amigo. O Orgulho, esse espelho de vaidade, também está comigo, quando leio cultura, escrita por ti.
Deixa-me ser um pouco Alentejano, porque é um povo que eu Admiro muito, para poder ter sabor naquilo que me apetece dizer...
Porra, sr. Doutor, será que aqueles filhos da "profissão mais antiga" não fariam melhor, lendo os teus comentários, do que fazendo comentários alarves?
AH, mas eles "hadem ver, oh, se hadem".
Maneli, e lá no Assento Etéreo, onde repousa o homem que mais admiras, ele há-de estar dezendo, porrã, o mê gaiato é mesmo inteligenti.
Um abraço, meu caro e douto amigo.
Nem vale a pena dizer quem sou.
Quem te admira desta maneira, só um transmontano, puro, como tu me chamaste.
Saúde meu amigo e que Deus te ajude sempre e a mim me dê o prazer de continuar a aprender contigo e acima de tudo a ser teu amigo.

23 setembro, 2005 15:29  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi Manuel...

Tenho estado a ler-te... e gostei do que aqui encontrei...
muito bem escrito...
não tive ainda tempo de ler tudo...

mas sem dúvida escreves bem

bfds
bjs

23 setembro, 2005 16:59  
Blogger Menina Marota said...

Espero que voltes e depressa!

Porque é um prazer enorme, ler-te.

Um abraço e bom fim de semana :)

24 setembro, 2005 10:24  

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