terça-feira, setembro 27, 2005

Timeo danaos et Dona Ferentes *



II – A Demo Kratia

O favorecimento instituído a todos os níveis é um mal que julgava conotado com regimes políticos ditatoriais, uma vez que por princípio, só por princípio, as democracias deveriam assentar na igualdade perante a lei. Não sou muito supersticioso, mas por via da sistemática jurídica ou de um acaso qualquer, então não é que o Princípio da Igualdade está consagrado precisamente no 13º artigo da nossa constituição?
O que é facto é que a nossa “democracia” se faz à custa de compadrio, tachos, cunhas, pensões de reforma douradas, jobs for the boys, jobs for friends, lobby disto, lobby daquilo, lobby gay, opus Dei, enfim…lobis e lobisomens às catadupas.
É verdade, verdadinha jurada, a competência é letra morta na nossa “democracia”, nunca houve maior sentido nas palavras de George Orwell: “Todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais do que outros”. A desculpabilização dos “nabos” é garantida pela solidariedade partidária e o silêncio para os ”pequenos pecados” é disfarçado com demissões públicas ao estilo:”Assumo as minhas responsabilidades políticas e demito-me”. Querendo isto dizer: Usga-se…desta já me safei!
A cópia da Demo kratia ateniense foi quase levada à risca, comportamentos incluídos, isto é, com vícios privados e tudo. Na antiguidade, no berço da civilização ocidental, não havia a democracia que se pretende enfiar pelos olhos dentro dos incautos e da qual, pasme-se, as actuais democracias se proclamam herdeiras. É que a democracia ateniense, apregoada pela retórica política positivista desde o liberalismo, não assentava no poder do povo, leia-se plebe (vide Cap.I). Em Atenas (Cidade estado) não se reconheciam os mesmos direitos a todos, as mulheres não os tinham e os escravos eram coisas. Esta forma de definir a existência humana era como Platão ou Aristóteles classificavam convictamente os tipos sociais.
A Demo kratia tinha e tem outro significado: Demo significa tribo e kratia significa poder. Logo, estamos perante o poder das tribos, as quais, através dos seus representantes, se reuniam regularmente para discutirem e legislarem. Na Grécia antiga, o governo da “democracia” ateniense estava entregue ao Conselho dos 500, organismo encarregado de elaborar as leis. Neste Conselho tinham assento 50 representantes de cada uma das dez tribos atenienses e a sua direcção ou prítania era exercida alternadamente, em períodos iguais, pelos representantes de cada tribo, os prítanes. No pritaneu, a casa dos prítanes, guardavam-se as Leis de Sólon e aí se alimentavam à custa do Estado, i.e., dos pagadores de impostos: os generais vitoriosos, os vencedores dos jogos olímpicos e, de um modo geral, os beneméritos da cidade.
No sistema político grego não havia votação para eleger os representantes da tribo para o Conselho dos 500, isto é, já lá estavam, faziam parte da mobília, eram as Demos (partidos) com mandato vitalício. Assim, quando se queria por alguém na rua, porque não governava bem ou porque se fartavam dele, a malta escrevia o nome do “meco” numa concha (ostrakon) e o rapaz exilava-se, ia à sua vida ou cortavam-lhe o fornecimento de oxigénio. Daí que ainda hoje quando se diz que alguém foi votado ao esquecimento diz-se que foi votado ao ostracismo.
Hoje já não há ostrakon quando os “mecos”, isto é, os boys se portam mal, a Demo, i.e., o partido, pune-os com um tacho ainda melhor do que o que tinham antes e vão todos celebrar com ostras e champanhe, numa afirmação clara de se estarem a borrifar para as “bostadas” que fizeram.
Mas até ao nível linguístico e científico a “democracia” importada escondia gato com rabo de fora. Vejamos, como mero exemplo, como os gregos classificavam os amantes das várias áreas do saber e não só. Denominavam os benfeitores dos homens por:
Philo+antrophos; Filantropos = Philo (amigo) + antrophos (homens);
Philo+Sophos; Filósofos = Philo (amigo) + sophia (saber); Pedi+philo;
Pedófilos = Pedi (criança) + philo (amigo).
O quê? Então hoje uma pessoa que goste de crianças no sentido humano e natural não se denomina pedófilo? Quem adulterou o significado da palavra? Ninguém. Era mesmo assim. Na Grécia antiga ter um rapazinho por companhia fazia parte do status. Era normal o discípulo acompanhar o mestre e ficar quase sempre de pé junto dele. Não se sentava porque lhe doíam os fundos, digo eu. As mulheres eram para cuidar da oikos (casa) e para ter filhos. Foram os romanos que puseram alguma moralidade nisso, mas a palavra ficou associada a esse desvio do comportamento porque socialmente não era reprovável na época.
Aos jogos olímpicos só assistiam homens e os atletas disputavam-nos nus. Havia o culto da anatomia masculina. Recorde-se, a propósito, as palavras de Luciano, criador do diálogo satírico;”Como os jovens tem de se despir diante de uma grande assembleia de homens, pensamos que se esforçarão por adquirir um aspecto exterior agradável a fim de não terem vergonha de se apresentarem nus”. O sentido estético do nu masculino era encorajado e a promiscuidade homossexual masculina era frequente. Os gregos veneravam a beleza do corpo. Enquanto os concursos de beleza masculinos se realizavam em Elis, os femininos tinham lugar na ilha de Lesbos, conhecida por lá viverem as mulheres que não queriam casar e também as mais belas, no conceito actual. Foi Safo de Lesbos a primeira mulher a escrever poesia onde se narrava o amor homossexual feminino. Mas aqui surge uma contradição. Se hoje se denomina a homossexualidade feminina de lésbica, porque não se denominará a masculina com qualquer palavra derivada de Elis, mas sim por pederasta, derivada de pedi (criança)?
Pois é, era o próprio Luciano que descrevia as mulheres como a sociedade grega as entendia;”O corpo de um homem não deve ser gordo e branco como o de uma mulher, empalidecido pela longa permanência em casa. Vede os nossos jovens bronzeados! São como devem ser os homens: cheios de vida, de calor e força viril, radiantes de felicidade, belos (…)”. Na volta este também atracava de popa.
Na “democracia” de hoje já é condenável esse tipo de comportamento, isto é, será mesmo? Cá pelo burgo, o único autor confesso de crimes de abuso sexual a menores tem de andar com colete à prova de bala, os outros como não confessaram não correm perigo. Tem dinheiro, conhecimentos e segredos para obter a sua justiça. Fazem a sua vidinha normalmente, só lhes foi aplicada uma medida de coacção ligeira. Abuso de menores? Tudo invenção das crianças. Pudera, são os filhos dos desfavorecidos que frequentam as Casas Pias deste país. Se fossem os dos poderosos era outra coisa, mas como não são, todos aqueles senhores bem falantes são inocentes. É o velho vício dos poderosos da Demo kratia ateniense a ecoar no presente da nossa democracia.
Se somos todos culpados? Claro que sim. Continuamos a aplaudi-los nas televisões, a votar neles para órgãos de poder, a vê-los acompanhados de jovens e meninos e nada se faz porque…
Nasci de uma mulher e os meus filhos também. Tenho colegas de profissão e de trabalho que são mulheres, adoro as mulheres, ler a sua poesia e acerca delas, desenhos e pinturas incluídos, tudo sobre elas. Quanto às crianças não se fala. São espécie a preservar, intocáveis. Sempre.
Como é que há mulheres coniventes com estas situações? Elas que são, por natureza, a primeira linha de defesa das crias, ou deveriam ser.
Sonho com o dia em que o direito encontre a justiça, porque um e outra ainda não são a mesma coisa, longe disso, bem longe disso. Um dia…talvez um dia.
*Temo os Gregos mesmo quando dão presentes.

5 Comments:

Blogger Isabel Filipe said...

Oi Manuel...

Bom dia...

adorei o texto...muito bem elaborado...

também eu

"Sonho com o dia em que o direito encontre a justiça, porque um e outra ainda não são a mesma coisa, longe disso, bem longe disso. Um dia…talvez um dia.
"

o teu pedido ficou anotado... a ver o que eu conseguirei fazer sobre África...tenho de esperar por um momento de inspiração...


Bjs

28 setembro, 2005 10:41  
Blogger Zica Cabral said...

Até que enfim que eu vejo uma analise bem feita sobre o que é a Demo Kratia grega e a verdadeira, a corrupta democracia portuguesa. Até que enfim que leio esta verdade que muitos não têm coragem para dizer.

"Se somos todos culpados? Claro que sim. Continuamos a aplaudi-los nas televisões, a votar neles para órgãos de poder, a vê-los acompanhados de jovens e meninos e nada se faz porque…"
tens razão, somos todos culpados no silencio e no consentimento. Não adianta dizer ...eu não os pus lá.....verdade, mas tb nada fiz para que os não puzessem. Calei-me.........porque me sinto impotente para fazer outra coisa.


"Sonho com o dia em que o direito encontre a justiça, porque um e outra ainda não são a mesma coisa, longe disso, bem longe disso. Um dia…talvez um dia."

Também sonho com isso mas que fazer para que isso aconteça?

obrigado por escreveres este post
beijinhos Zica

28 setembro, 2005 13:28  
Anonymous Anónimo said...

Oi companheiro e grande amigo!
Sim senhor, quem não teme meia tonelada de bife porque há-de temer uns quilitos de "bichonas"?
Mais uma vez, e de outra forma não poderia ser, fiquei felicíssimo de apreciar a coragem, numa dúzia de linhas de cultura.
Apetecia-me dizer uma asneira mas, na casa dos outros devo pautar-me pela educação e sensatez, coisa que muito letrado e licenciado em Direito, não o faz nem sequer em Tribunal, quanto mais na A.R.?
Bem-hajas, mais uma vez, pelos ensinamentos.
Lamento sinceramente não poder fornecer às Bestas "Quadrúpedes" políticas, cópias dos teus textos.
Um grande Abraço.

28 setembro, 2005 21:59  
Blogger José Gomes da Silva said...

Grande Manel: assumi desde os primórdios das minhas participações em blogues que não iria nunca utilizar os comentários em qualquer outro blogue (incluindo o teu)apenas para elogiar o autor. Tenho observado esse fenómeno em inúmeros blogues que visito, e sinceramente, acho simplesmente ridícula a quantidade de beijocas que se dão nos comentários e desejos de bons fins-de-semana. Porque raio não se tocam os corpos com apertos de mão, com beijos, com bebedeiras noite dentro, com tertúlias em que podemos olhar-nos uns aos outros a sério (conforme os tipos de relacionamento, obviamente)? Será porque inventaram a Internet para separar o calor humano? Quero crer que não! Mas deixa que te diga: Quanto mais te leio mais me convenço que tive sempre razão quanto ao teu enorme "peso". Para alguns equídeos o teu peso era medido ao quilo (mesmo assim com muito ódio e inveja), para quem, como eu, tem o supremo privilégio de te ter como exemplo de inabalável amizade, os "aparelhos de pesagem" nunca mentiram (também nunca houve dúvidas disso). Abro uma excepção, por isso: Parabéns, "Bambino"! Continua!

28 setembro, 2005 22:50  
Blogger Micas said...

Uma analíse excelente, muito completa e extremamente bem elaborada, gostei imenso.

Sonho com o dia em que o direito encontre a justiça, porque um e outra ainda não são a mesma coisa, longe disso, bem longe disso. Um dia…talvez um dia."

Também sonho com isso mas para que isso aconteça antes terão que se mudar mentalidades...

Tenho andado um pouco alheada, falta de tempo e disposição, mas este é um dos espaços que virei sempre que possivel, por todo o conhecimento que levo daqui. Um grande Bem Haja.

29 setembro, 2005 08:57  

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