Manias...
Respondendo ao convite da Menina Marota, infra elenco as cinco manias que julgo ter.
A 5 de Abril de 1992, Sarajevo, a capital da República da Bósnia-Herzegovina, foi atacada pelos sérvios. Esta cidade milenar nasceu nas margens do Rio Miljacka (Miliasca) e está rodeada por montanhas, em cujos pontos mais altos o Exército Nacional Sérvio, ajudado pelos sérvios da Bósnia, colocou 260 Carros de Combate (tanks), 120 Morteiros e diversas armas da enorme panóplia do horror bélico.
Em 2 de Maio de 1992 a cidade ficou completamente cercada, ficando nela cerca de 500.000 pessoas que não tinham meios de fuga ou não quiseram fugir. Parte da cidade foi ocupada pelos sérvios, mais particularmente os bairros periféricos a sul, na estrada para o aeroporto internacional, no bairro de Grbavica (Grbavitsa).
A parte da cidade que ficou fora das garras sérvias era constante e diariamente bombardeada e atingida por cerca 4000 projécteis de várias origens e calibres, atingindo hospitais, maternidades, escolas, mesquitas, igrejas, sinagogas, bibliotecas, museus, o que a sistemática sérvia ditasse. A estimativa do número de impactos é oficial e é baseada nos relatórios dos observadores das Nações Unidas. Os snipers encarregavam-se de alvejar quem, ao princípio do cerco, esperava em filas por pão e água e muitas vezes até quem socorria os feridos.
Durante a minha presença lá, a artilharia sérvia destruiu a central telefónica, deixando a cidade isolada do mundo, acrescentando que no Inverno de 93/94, a cidade ficou sem electricidade, gás e água corrente, pois o único reservatório que abastecia a cidade por gravidade foi destruído. A fome chegou a grassar e estranhamente a população de cães, gatos e ratos começou a escassear naquele Inverno. Numa lata de 20 litros de água deitava-se leite em pó para dar de beber aos mais pequenos, idosos e doentes. As instruções diziam que a ração equilibrada era de um quilo de pó para cinco litros de água. A realidade era de 20 litros de água para aquela quantidade de leite em pó. Coitadinhos dos pequenos...estranhamente choravam baixinho e calavam-se ao som dos tiros, tal qual tropas bem treinadas.
Os cemitérios surgiam por todo o lado em jardins, terreiros, quintais,
campos de futebol e até no parque olímpico, nas proximidades do estádio de Kosevo. A cidade começou a viver de noite, faziam-se geradores com bicicletas, médicos operavam nas caves dos edifícios...o engenho humano no seu melhor e no pior.
As mulheres de leste são lindas e as balcânicas não fogem à regra. Rumores de que militares e civis ao serviço da ONU, EU e OSCE, obtinham “favores” sexuais a troco de eventuais vistos, medicamentos, comida e demais coisas comerciáveis, nunca deixaram de se ouvir. Havia até, dizia-se, receptação de dentes de ouro retirados aos mortos. A troco de uma Gillette para rapar as pernas e as axilas, ou de um penso de campanha para tornar o período mais confortável, poder-se-ia conseguir um favor sexual, dizia-se.
Ainda bem que nunca estive alojado nos centros de decisão, nos hotéis da capital bósnia, limitava-me a manter a distância daqueles locais de fama duvidosa. Sei que tinham banho todos os dias com água corrente e dormiam em camas propriamente ditas. Alguns ostentam altas condecorações nacionais e internacionais e estranhamente nunca os vi nos dias de “chuva” e à “chuva”. O medo e a cobardia podem ter vários nomes, mas na Bósnia chamava-se viroses intestinais e apareciam sempre na véspera das patrulhas para os sítios mais complicados.
Recordo uma “estória” que ouvi sobre um militar português que, na precipitação do tiroteio, disparou sobre a própria viatura. Um inquérito foi levantado mas urgia assinalar pela positiva a presença portuguesa naquelas paragens. Surpresa das surpresas, apesar do relatório dos peritos ter concluído que pelo tipo de orifício, ângulo de entrada dos projécteis e grau de destruição, os disparos haviam sido efectuados a curta distância, para além do calibre dos mesmos não ser compatível com a panóplia sérvia, o militar foi condecorado pelo cidadão Jorge Sampaio, então PR, com uma das mais altas condecorações nacionais. Alguém se havia precipitado e depois...depois houve o medo de desmanchar a história e repor a verdade.
Alguns andaram por lá, mas da sua presença em certos territórios não se podia saber oficialmente, nem do que faziam, faltam até registos nos documentos individuais de alguns militares, não de semanas ou meses, mas de anos completos, algures entre 1994 e 1996.
Finalmente, em 26 de Fevereiro de 1996, com a abertura da passagem de noroeste, em Vosgoska e Ilijas, uma vez que Sarajevo tem túneis em vários pontos da cidade que atravessam as montanhas, os sérvios começaram a retirar.
1 - Mania de levar leitura para a retrete, ao ponto de ser tão interessante que tenha ficado com as pernas dormentes e ter dificuldades em levantar-me.
2 - Mania de arrumar os meus livros e outros objectos tão bem que até às escuras os encontro pelo tacto, por lhes saber o lugar.
2 - Mania de arrumar os meus livros e outros objectos tão bem que até às escuras os encontro pelo tacto, por lhes saber o lugar.
3 - Mania de passear à chuva e gostar. Se estiver de botas, tal como em míudo, gosto de passar nas poças de água, ehehehe!
4 - Mania de gostar das pessoas e coisas simples e fazer questão disso de forma radical, maníaca.
5 - Mania da verticalidade e de dizer o que me vai na alma mesmo sabendo os dissabores que acarretam.
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Em 2 de Maio de 1992 a cidade ficou completamente cercada, ficando nela cerca de 500.000 pessoas que não tinham meios de fuga ou não quiseram fugir. Parte da cidade foi ocupada pelos sérvios, mais particularmente os bairros periféricos a sul, na estrada para o aeroporto internacional, no bairro de Grbavica (Grbavitsa).
A parte da cidade que ficou fora das garras sérvias era constante e diariamente bombardeada e atingida por cerca 4000 projécteis de várias origens e calibres, atingindo hospitais, maternidades, escolas, mesquitas, igrejas, sinagogas, bibliotecas, museus, o que a sistemática sérvia ditasse. A estimativa do número de impactos é oficial e é baseada nos relatórios dos observadores das Nações Unidas. Os snipers encarregavam-se de alvejar quem, ao princípio do cerco, esperava em filas por pão e água e muitas vezes até quem socorria os feridos.
Durante a minha presença lá, a artilharia sérvia destruiu a central telefónica, deixando a cidade isolada do mundo, acrescentando que no Inverno de 93/94, a cidade ficou sem electricidade, gás e água corrente, pois o único reservatório que abastecia a cidade por gravidade foi destruído. A fome chegou a grassar e estranhamente a população de cães, gatos e ratos começou a escassear naquele Inverno. Numa lata de 20 litros de água deitava-se leite em pó para dar de beber aos mais pequenos, idosos e doentes. As instruções diziam que a ração equilibrada era de um quilo de pó para cinco litros de água. A realidade era de 20 litros de água para aquela quantidade de leite em pó. Coitadinhos dos pequenos...estranhamente choravam baixinho e calavam-se ao som dos tiros, tal qual tropas bem treinadas.
Os cemitérios surgiam por todo o lado em jardins, terreiros, quintais,

As mulheres de leste são lindas e as balcânicas não fogem à regra. Rumores de que militares e civis ao serviço da ONU, EU e OSCE, obtinham “favores” sexuais a troco de eventuais vistos, medicamentos, comida e demais coisas comerciáveis, nunca deixaram de se ouvir. Havia até, dizia-se, receptação de dentes de ouro retirados aos mortos. A troco de uma Gillette para rapar as pernas e as axilas, ou de um penso de campanha para tornar o período mais confortável, poder-se-ia conseguir um favor sexual, dizia-se.
Ainda bem que nunca estive alojado nos centros de decisão, nos hotéis da capital bósnia, limitava-me a manter a distância daqueles locais de fama duvidosa. Sei que tinham banho todos os dias com água corrente e dormiam em camas propriamente ditas. Alguns ostentam altas condecorações nacionais e internacionais e estranhamente nunca os vi nos dias de “chuva” e à “chuva”. O medo e a cobardia podem ter vários nomes, mas na Bósnia chamava-se viroses intestinais e apareciam sempre na véspera das patrulhas para os sítios mais complicados.
Recordo uma “estória” que ouvi sobre um militar português que, na precipitação do tiroteio, disparou sobre a própria viatura. Um inquérito foi levantado mas urgia assinalar pela positiva a presença portuguesa naquelas paragens. Surpresa das surpresas, apesar do relatório dos peritos ter concluído que pelo tipo de orifício, ângulo de entrada dos projécteis e grau de destruição, os disparos haviam sido efectuados a curta distância, para além do calibre dos mesmos não ser compatível com a panóplia sérvia, o militar foi condecorado pelo cidadão Jorge Sampaio, então PR, com uma das mais altas condecorações nacionais. Alguém se havia precipitado e depois...depois houve o medo de desmanchar a história e repor a verdade.

Finalmente, em 26 de Fevereiro de 1996, com a abertura da passagem de noroeste, em Vosgoska e Ilijas, uma vez que Sarajevo tem túneis em vários pontos da cidade que atravessam as montanhas, os sérvios começaram a retirar.
Talvez um dia se saiba da verdade de como os bósnios foram ajudados ou como determinadas forças militares participaram naqueles acontecimentos de forma mais ou menos encapotada.
Talvez um dia, à semelhança do filme “Por detrás das linhas do inimigo”, com o nosso Joaquim de Almeida e com Gene Hackman, se conte a verdadeira história da recuperação do piloto O’ Grady, abatido sobre território sérvio, ou como soldados anónimos, infiltrados nas linhas sérvias, “iluminavam” com LTD (Laser Target Designators), os alvos sérvios que abasteciam a frente bósnia e que a aviação da NATO destruía com tanta precisão. Talvez assim se explique porque é que Slobodan Milosevic, Ratko Mladic e Radovan Karazidic, pagavam dois
mil e quinhentos dólares por cada “infiltrado” morto ou capturado. Talvez um dia se faça justiça…talvez nunca.
Quando o cerco a Sarajevo foi levantado haviam morrido 10.615 pessoas, civis e soldados bósnios, das quais 1601 eram crianças. O número de feridos ascendeu aos 50.000, dos quais cerca de 1/5 ficou inválido. O cerco da cidade durou de 2 de Maio de 1992, até 26 de Fevereiro de 1996. Foram 1395 dias de tragédia e horror e foi o maior cerco da história moderna da humanidade. Tudo obra do visionário de uma Grande Sérvia, o agora desaparecido Slobodan Milosevic. O mundo está mais limpo hoje e o ar mais puro.
Talvez um dia a verdadeira história da operação “Rainy days” seja contada. Nela participaram militares pretensamente ao serviço da ONU, mas recebendo e agindo sobre ordens da NATO.
Essa operação, que durou quase dois meses, marcou o início da viragem do sentido da guerra nos Balcãs, faz no próximo dia 22 de Março doze anos que a maior parte da artilharia sérvia foi destruída durante a noite e madrugada através de ataques aéreos da NATO. Grande parte do sucesso da missão aérea deve-se aos que estiveram no terreno mantendo os alvos "iluminados" até ao impacto. Duas das equipas não voltaram nem delas mais se soube. Posteriormente houve relatos de que estavam enterrados numa vala comum nos arrabaldes de Srebrenitsa. Um dia, talvez um dia...
Talvez um dia, à semelhança do filme “Por detrás das linhas do inimigo”, com o nosso Joaquim de Almeida e com Gene Hackman, se conte a verdadeira história da recuperação do piloto O’ Grady, abatido sobre território sérvio, ou como soldados anónimos, infiltrados nas linhas sérvias, “iluminavam” com LTD (Laser Target Designators), os alvos sérvios que abasteciam a frente bósnia e que a aviação da NATO destruía com tanta precisão. Talvez assim se explique porque é que Slobodan Milosevic, Ratko Mladic e Radovan Karazidic, pagavam dois

Quando o cerco a Sarajevo foi levantado haviam morrido 10.615 pessoas, civis e soldados bósnios, das quais 1601 eram crianças. O número de feridos ascendeu aos 50.000, dos quais cerca de 1/5 ficou inválido. O cerco da cidade durou de 2 de Maio de 1992, até 26 de Fevereiro de 1996. Foram 1395 dias de tragédia e horror e foi o maior cerco da história moderna da humanidade. Tudo obra do visionário de uma Grande Sérvia, o agora desaparecido Slobodan Milosevic. O mundo está mais limpo hoje e o ar mais puro.
Talvez um dia a verdadeira história da operação “Rainy days” seja contada. Nela participaram militares pretensamente ao serviço da ONU, mas recebendo e agindo sobre ordens da NATO.
