Tis e Tias da minha terra!

No entanto no Alentejo há mais qualquer coisa para além de uma forma singular de estar na vida, tem pessoas de uma simplicidade tal que a sabedoria dada pelos anos que carregam, encheriam de inveja muito académico que por aí há imbuído de um pretenso conhecimento absoluto do saber.
Voltei recentemente ao meu Alentejo, já que me sinto um imigrante em Lisboa e é assim não por um pseudo regionalismo bacoco assente em premissas de uma qualquer superioridade, antes porque nunca me integrei na cidade, nem as pessoas me fizeram sentir integrado. Opções de vida.
Retomando, voltei ao meu cantinho natal e descobri, ou penso ter descoberto, alguns dos maneirismos e modas que afectam o “Trotinete-set” cá do burgo. Ao longo dos anos sessenta e setenta havia um grupo de gente, com muito dinheirinho, que viajava de festa em festa, da Europa para os EUA e vice-versa, de avião a jacto (Jet). Como constituíam um grupo singular daí resultou o termo set. Nascia assim o conceito de Jet-set, que hoje, lamentavelmente, muita gente, entre os quais se destaca uma larga maioria de estudantes universitários de comunicação social, não sabe o que significa. Assisti a este fenómeno na semana anterior ao Carnaval, num auditório de uma Universidade da capital quando o “Guest-speaker” os interpelou sobre a origem do termo e ao qual responderam, na sua grande maioria, por braço no ar, que Jet-set seriam os canastrões que costumam mostrar-se na televisão. Noutras palavras, claro. Enfim, não se pode pretender saber tudo, mas aconselha a prudência a não responder ao que não se sabe.
Fui então ao meu Alentejo, não para brincar ao Carnaval, mas para

Na primeira manhã antes de almoço, aí pelas onze horas lá fui eu ao beija-mão aos “velhotes” do costume. Pus pés à rua e aí vou eu a caminho da tasca do Ti Gervásio, qual ave migratória que voa por instinto na rota em busca do sul.
- Bom dia meus senhores, então como vai a saúde? – Perguntei.
- É Maneli, atão vieste ao carnavali? – Perguntou o Ti Carolino, estendendo-me a mão rugosa e áspera por anos de trabalho e da qual apanhei muitos tostões para “rabuçados” ou festas na cabeça.
- É, mas isso é mais para os gaiatos, eu cá já não tenho paciência para essas coisas, vejo mas não brinco! – Disse eu.
- Ó Maneli, quando é que te posso precurar uma coisa sobre uma carta que recebi do tribunali? – Perguntou o Ti Manel Cara Dura.
- Aproveite que eu estou de maré. Então meteu-se em trabalhos? – Perguntei.
- Ná, tenho cá pra mim quisto tem a veri com ê ter sido testemunha dum caçadori aqui há um ano atrás! – Disse sem preocupação.
- Ó Ti Gervásio ponha lá aqui qualquer coisa para calar estas almas! – Disse, convidando a rapaziada grisalha para um copo antes de almoço.
Estávamos nesta conversa de Maneli pra cá, Ti qualquer coisa pra lá, quando me lembrei que o Trotinete-set luso nem inovador no trato foi, pois veio buscar, isto é, rebuscar, o termo Tio (a), aos Tios e Tias da província.
- Ó Maneli, na queres provare um cadinho de paio da Ti Zulmira? Olha que é de porco preto! – Disse o Ti Carolino.
- Venha lá disso. Alguém me sabe dizer o que é feito do General Trindade? – Referia-me ao Cabo da GNR reformado, pessoa que toda a Vila estima.
- Anda doente das cruzes, sabes como éi, uma vida entera a cavalo na faz nada beim à saúde! – Disse o Ti Gervásio, ao mesmo tempo que me dava a provar um tinto daqueles e me punha umas azeitonas retalhadas temperadas pela Ti Humildá. Há lá agora pitéu igual.
- Este paio é uma maravilha, digam-me lá onde posso comprar uma ou duas peças destas! Atirei enquanto saboreava o enchido.
- Olha Maneli, tas parvo ô fazes-te? Atão a minha mulheri ó eu levávamos-te lá alguma coisa por isso, antes cair e partir um braço! – Disse o Ti Carolino mostrando assim o agradecimento por lhe fazer o IRS todos os anos, para além de outras coisas. Gosto de os ajudar nestas coisas, é mais um momento de prazer para mim do que efectivamente uma obrigação.
- Ó Ti Carolino, não se zangue comigo homem, afinal o trabalho que a coitada tem e os magros tostões da reforma se forem reforçados nada de mal virá ao mundo! – Disse eu, sabendo a reacção que geraria.
- Raforços metia-te a tua mãe no fundo das calças e nos joelhos quando eras gaiato...na se fala mais nisto e acabô-se! – Disse o Ti Carolino, já quase zangado.

- Farnandinho, queres provare uma febra? Anda cá filho ca Ti Zulmira te arranja uma no pão que fiz inda agora!
Sabia-me pela vida, assim como as fatias de pão barradas com toucinho cozido e açúcar que me costumava dar quando regressava da escola. Que saudades.
- Bom dia meus senhores! - Saudou alguém que é de fora.
- Bons dias! - Respondeu cada um por sua vez.
- Disseram-me que é aqui que se vendem uns paios e pão caseiros e como estou de passagem para Évora, lembrei-me de aqui parar. – Disse o foarsteiro.
- É sim senhore, éi aí o Ti Gervásio que vende, mas os paios e o pão são ali da casa do Ti Carolino. – Explicou o Ti Manel cara Dura.
Comprou dois paios e dois pães de meio quilo (morcates), pagou e saiu.
- Ó Maneli, tu que vives lá prá capitali tens que explicare a estes cabronaços que os paios e o pão não se fazem na rua, fazem-se em casa, mas também na sã caseros, são é à manera dos caseros antigos, o que éi difrente! – Atirou o Ti Manel Cara Dura, e eu concordei com ele pois claro. Continuou.
- Sabes que mais Maneli, e atão aqueles jornalistas da tlevisão quando precuram às pessoas que perderam as casas, o gado, enfim tudo, nos incêndios, o que estão a sentire? Dava-lhes cá uma punhada prós cornos, isso é la precura que se faça a alguém que acabô de perdere tudo?
Aproximava-se a hora do almoço, despedi-me com um até logo e saí. Cá fora soprava uma brisa fria mas com aromas de campo. A passarada voava baixo, anunciando a chuva que enegrecia já o céu a norte. Sorri e senti um arrepio de alegria. Que bom estar ali de novo.
- Bons dias! - Respondeu cada um por sua vez.
- Disseram-me que é aqui que se vendem uns paios e pão caseiros e como estou de passagem para Évora, lembrei-me de aqui parar. – Disse o foarsteiro.
- É sim senhore, éi aí o Ti Gervásio que vende, mas os paios e o pão são ali da casa do Ti Carolino. – Explicou o Ti Manel cara Dura.
Comprou dois paios e dois pães de meio quilo (morcates), pagou e saiu.
- Ó Maneli, tu que vives lá prá capitali tens que explicare a estes cabronaços que os paios e o pão não se fazem na rua, fazem-se em casa, mas também na sã caseros, são é à manera dos caseros antigos, o que éi difrente! – Atirou o Ti Manel Cara Dura, e eu concordei com ele pois claro. Continuou.
- Sabes que mais Maneli, e atão aqueles jornalistas da tlevisão quando precuram às pessoas que perderam as casas, o gado, enfim tudo, nos incêndios, o que estão a sentire? Dava-lhes cá uma punhada prós cornos, isso é la precura que se faça a alguém que acabô de perdere tudo?
Aproximava-se a hora do almoço, despedi-me com um até logo e saí. Cá fora soprava uma brisa fria mas com aromas de campo. A passarada voava baixo, anunciando a chuva que enegrecia já o céu a norte. Sorri e senti um arrepio de alegria. Que bom estar ali de novo.
32 Comments:
que bem me fizeste Manel,
eu adoro o Alentejo e tu descreves tão bem essas vivências que me fizeram recordar passagens do meu pai, não em terras do Alentejo, mas no Ribatejo, onde também vivi, se bem que conheço o Alentejo, não tão bem como tu certamente.
Os meus antepassados vieram daí para o Ribatejo e o meu pai fez questão que lidássemos de perto com essa região, até porque tinha aí muitos amigos, mais tarde fui eu que me apaixonei por essa região
Hoje encantei-me contigo, meu amigo
adoro esse ambiente onde tudo são tios, mas com muito carinho
um abraço cheio de ternura e muitos beijinhos com carinho para ti Manel
lena
hoje estou melancólica, volto amanhã para reler e me animar.
bfs bjs
Que maravilha de começo de domingo! eu, que adoro viajar e adoro o Alentejo e as suas gentes de coração aberto, isto para já não falar da comida...
Um dia vais me dizer onde fica a venda do Ti Gervásio, vou gostar de lhe ir dar um abraço.
Bom domingo Manel
"...- Sabes que mais Maneli, e atão aqueles jornalistas da tlevisão quando precuram às pessoas que perderam as casas, o gado, enfim tudo, nos incêndios, o que estão a sentire? Dava-lhes cá uma punhada prós cornos, isso é la precura que se faça a alguém que acabô de perdere tudo?..."
... ah Maneli, dá lá um abraço por mim ao Ti Manel Cara Dura, porque eu estou plenamente de acordo com ele!!
... como tinha saudades de te ler! Sabes lá a falta que estes teus textos me faziam...alegrou-se o meu dia, acredita!
Um abraço carinhoso e bom domingo ;)
... a minha "gémea" poesia adiantou-se a mim...
... ficou tão entusiasmada com o texto, que nem esperou que eu escrevesse e desatou ´paea aí a dizer logo o que pensava...
Um abraço risonho ;)
Caro Manel, nada como os ares do "nosso" Alentejo para recarregar baterias para enfrentar a vida no betão, e conviver com pessoas genuínas só nos faz ter pena de não podermos, de vez, refugiarmo-nos nas nossas raízes!
Um abraço!
Ah, os dias de pão fresco e azuvias, os dias de matança, o cheiro a lenha, os chouriços no fumeiro e, depois da chuva , aquele cheiro a terra vermelha e quente...
Saudades, Manel. tantas!
Bjs. :)
hummm
esta tua passagem podia muito bem acontecer ´da mesma forma em qualquer região.
um balcão, uns cheiros agradáveis e apetitosos e a água a crescer na boca não é Manel!
E depois de um dia bem passado, levamos conosco um pouco da sabedoria popular, como essa do Ti Manel Cara Dura: - Sabes que mais Maneli, e atão aqueles jornalistas da tlevisão quando precuram às pessoas que perderam as casas, o gado, enfim tudo, nos incêndios, o que estão a sentire? Dava-lhes cá uma punhada prós cornos, isso é la precura que se faça a alguém que acabô de perdere tudo?
dá um abraço ao Ti Manel
:)
Mama Sumae et Audaces Fortuna Juvat.
abraço
li-te e sorri da boca á alma. E salivei tmb. Respirei fundo mas o ar não vinha igual ....
Um destes dias.
bjs e :)e um sereno dia
Então compadre tal vai isso.....?
Fiquei satisfeito pela visita. Quanto a inscrever é fácil. Clique no anúncio do Encontro e vai dar ao site criado de propósito. Aqui tem um lugar que diz incrição. É só preencher. Depois vamos confraternizar no dia 22 de Abril em Alvito.
Um abraço.
Já agora peço-lhe emprestado por uns dias esse cante alentejano.
Olá amigo, és amigo da Titas és meu amigo, gostei muito do teu texto, então acompanhado desta musica mágnifica, adorei. beijnhos
É uma delícia este texto, especialmente lido com este Canto Alentejano...
A transcrição está de tal maneira realista, que sabes, vi-me lá... entre com o Ti Gervásio a provar o vinho e o paio da Ti Zulmira...
A pureza deste Povo...é algo que nunca esquecerei...
Mais uma vez, vim ler-te... esta forma de te dares a conhecer de uma maneira única...
Um abraço de boa noite ;)
Maneli!
Será que no tê Alentejo, teria cabimento um Transmontano que procura na vida apenas o Sol da Primavera?
Só queria poder guardar na alma a felicidade que provocas naqueles que também adoram a pureza desta gente maravilhosamente bela, que se enquadra perfeitamente numa bela natureza.
Depois, bem depois, o sotaque acintosamente crítico!!!!
Obrigado Maneli. Na leitura dos teus textos, esqueço por momentos as tristezas, as agruras e as vicissitudes da minha vida....
Um abraço companheiro e AMIGO.
Esta crónica transmite além do mais o carinho e orgulho em e por ser alentejano. Sempre ao estilo do Manuel do Montado.
Beijinhos.
Passei p deixar um beijinho***
...maravilha o teu texto...obrigada pela partilha das tuas memórias...e por me fazeres viajar a essas terras lindas...e reviver esses costumes...que se vão perdendo....
fica um beijo
Adoro escrever sobre recordações de infância...guardamos lugares, cheiros, situações...é muito bom, dá uma enorme sensação de bem estar...Bete
bjinho. boa noite.
É com muita água na boca, que acabei de lêr esta peça, que eu, como das outras vezes, julgo ser um livro, e que depois ... cresce a água como nascente...
Bem, já sei, a seguir vem o livro...
Um abraço Maneli, bonito quadro do nosso interior e... bons petiscos anunciaste, caramba!
Ricky
OI Manel! Poxa vida, gosto muito, mas muuuuuuuuuito mais dessas suas narrativas. São tão lindas.
Beijos
um bom f.s. Bj de luz e paz
Bom domingo :)
Beijos
...passei a desejar-te um Bom Domingo.
Bjs
Já dizia o Torga que é no Alentejo que habitam as ondas douradas
:)
beijos desta alentejana
***
Passei para te (re)ler e deixar um abraço de boa semana ;)
Linda narrativa e a música ao fundo é bem típica mesmo né???!!! Bé
Permita sempre que as suas palavras sejam suaves e os seus argumentos, fortes. A linguagem da doçura e da leveza é muito importante para reduzir e eliminar as chances de provocar os outros. É certo que os parentes não pode se livrar da raiva no caso seu tio, em apenas um dia ou uma semana; isso leva um pouco mais de tempo. Por isso, é preciso ser paciente com você mesmo, ele é parte da família. Afinal a paz vem da observação da boa conduta e do evitar conflitos com a própria consciência. Lembre-se: uma mente calma não é apenas pacífica; ela é focada, auto-governada e divina. Mas este relato tb me lembra um pouco meus avós, ainda vivos, ficavam zangados comigo muitas vezes mas eram bons tempos...
abraços
dr x
fiquei-me por aqui ouvindo os cantares....e relendo.
Bjocas luz e paz
Olá Manel... gostaria que passasses pelo meu Blog, porque tens lá um convite que, espero que aceites.
Um abraço carinhoso ;)
Adorei sentir a brisa das tuas memórias e respirar a tua terra natal sob as tuas palavras! Não fazia ideia de como os alentenjanos falavam ou pronunciavam, pelo facto de não ouvir. Acho o Alentejo muito bonito e a comida alentejana deliciosa!
O teu texto, apesar de ser grande, está muito bom. Prendeu-me! E agora quero ler mais textos teus!
Um abraço carinhoso e cheio de admiração por seres o que és: orgulhoso da sua terra Natal!
Apesar da minha terra ter um dialecto diferente, quando li este “conto” foi como se estivesse em casa. A taberna, a rua, os tios e as tias do nosso "Jet Set", o paio, o pão! Que bom que é reviver o passado. Que bom que é ler este blog.
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