sexta-feira, abril 28, 2006

Provas do vento que passa...

"ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”

(Eça de Queiróz, 1867 in “O distrito de Évora”)


As memórias boas tendem a desaparecer mais rapidamente do que as más, comigo é assim e não encontro explicação razoável para a realidade que me atinge.
No esforço para recordar um bom momento somente pálidas imagens emergem, nuas e simples, mas nunca a sensação de felicidade dada pelos sentidos ou o torpor físico sentido no momento, esses são meros decors no cenário insípido da realidade. Ao contrário, as más memórias, quais embalagens de promoção com vários acessórios, vêm com cheiros, náuseas, sons, dor física e toda a panóplia de bad feelings que fariam as delícias de qualquer psicoterapeuta.
Durante uns tempos, após o meu regresso da Bósnia, ainda frequentei a treta da terapia de grupo, assim como tomava religiosamente todo o cardápio de medicamentos que me receitavam. Cada refeição parecia uma promoção de smarty’s, tal o colorido e a quantidade de “dissipadores da realidade”. Aqueles indutores de acalmia eram de alta qualidade e deveria tê-los ao meu alcance lá e não após o regresso. Têm o condão de proporcionar uma experiência extra corporal e de insensibilidade ao tempo e à realidade que nos rodeia…era cá com cada “moca”!
Depressa me deixei de “drogas” legais e adoptei a terapia do futebol. Todo o sagrado fim-de-semana lá ia eu, por duas horas, para a cura de stress. Estou infinitamente grato a todos os intervenientes do jogo. Por ¼ do valor da sessão com a psicanalista e pelo dobro do tempo, passava duas horas a conotar árbitros e jogadores com bovinos, caprinos, suínos e outros animais, do mesmo modo que clamava pela sua filiação e subsumia-a a progenitoras de estirpe mundana. A Dr.ª “Boazona”, a psicanalista, era um daqueles monumentos que povoam o imaginário masculino, mas o olhar frio, profissional e aquela voz monocórdica não elevavam a moral no baixo-ventre. Cheguei a pensar se aquela voz era meramente profissional ou se era natural, é que se fosse mesmo dela, ouvi-la durante uma “Keka” seria o mesmo do que ouvir o motor de um Fiat 600 a roncar dentro de um Ferrari F40. Assim a imaginei.
Passadas as duas horas, com as cordas vocais a necessitarem de repouso e com as reservas de adrenalina já exauridas, lá regressava ao meu mundo mais aliviado e grato por, no meio da turba, nenhum dos intervenientes me ter ouvido, mas lá que aliviava…


Passou mais uma comemoração do 25 de Abril e a situação que Portugal atravessa traz-me desgostoso, revoltado e f..**** com estes estercos que nos governam. Que me perdoem os estercos, os verdadeiros e não estes sucedâneos, mas com algum nome teria de conotar esses abjectos que o povo, na sua infinita esperança na mudança, vai colocando no poder para que se satisfaçam a si próprios e às corjas que lideram e servem.
Trinta e dois anos decorridos sobre o golpe militar que, pretensamente, devolveria a esperança a Portugal, perdida após o descalabro da I República, descobriu agora a retórica Socratiana (nunca Socrática, seria confundir merda com brilhantina), que a culpa dos atrasos do país está nos funcionários públicos em geral, isto é, em todos aqueles que são funcionários do Estado. Urge penalizá-los nos “chorudos” ordenados, nas “infindáveis” regalias, nas “soberbas” reformas, em suma, há que condená-los pelo atraso do país. Coitada da classe política impoluta, generosa, verdadeira, mal paga, não traficante de influências, não empregadora de filhos, conhecidos e outras clientelas, coitados desses enjeitados da fortuna que nos servem na difícil arte de governarem o país, coitados…
Exige a ética democrática que se purgue já a função pública pelas derrapagens orçamentais do CCB, Ponte Vasco da Gama, Expo 98, Euro 2004, Casa da Música e outras megalomanias típicas de liliputianos cerebrais.
Belo Estado de Direito em que os (en) comendados são ex-PIDES, ex-Bombistas, pedófilos, crápulas responsáveis pela fuga de recursos importantes do país, enfim, toda uma corja de dejectos que nos tornam a risota do mundo civilizado.
Hoje, como há trinta e dois anos, somos últimos na Europa, o que mudou?
O trabalhador comum reformado continua a viver mal, já os há a estacionar carros, a pedir desculpa por pedirem uma ajuda que reforce a “choruda” reforma por anos de trabalho árduo e “bem pago”, outros vão à sopa dos pobres ou arrastam-se pelo metropolitano da capital…que vergonha sinto!


O propósito de reduzir efectivos na “tropa” não foi só por questões de enquadramento europeu e economicistas, foi também para retirar capacidade de comando ao capitão, uma vez que hoje, ao contrário dos jovens capitães de Abril, não comanda o mesmo número de homens, pois há coronéis a comandar efectivos de companhia e inferior, e estes, já em idade de serem avós, com os ímpetos idealistas de juventude já esquecidos, não entrariam nunca em aventureirismos…nunca numa “democracia”, onde o político pode estender o rebuçadinho amanhã e dar-lhes as estrelas de general, a gestão de um qualquer instituto público ou os estaleiros de Viana do Castelo.
Os chefes militares politizaram-se, olham mais aos seus interesses do que aos dos homens que comandam, são burocratas de uniforme e esqueceram a vertente castrense. São os guerreiros do Windows XP, comandando forças virtuais em cenários que nunca pisaram, os políticos sabem-no e sabem perpetuar esta casta de “invertebrados” sob a sua alçada e controle. Ao distanciarem os comandantes dos comandados, as Forças Armadas em sentido estrito não o são mais, são antes peças de manobra no tabuleiro dos interesses políticos, as chefias sabem-no, consentem-no e sabes-lhe bem, pois ser hoje bom militar passa necessariamente pela genuflexão cerebral e ter sempre o esfíncter a jeito.
Daqui se exclui a capacidade de, por manu militari, um dia se impor um verdadeiro Estado de Direito, a nova revolução nascerá nas ruas quando as novas gerações se aperceberem que têm o futuro comprometido, que as novas classes dirigentes surgidas com o 25 de Abril são oportunistas legitimados com o voto popular, importando mais esta legitimidade do que as promessas vãs com que adoçam os ouvidos da populaça, mentindo-lhes descarada e repetidamente.
Em nota de rodapé, lá pedi desculpa ao meu “pedinte” habitué por não poder mais dar-lhe a moedinha diária. Passou a ser um imperativo moral. Expliquei-lhe que, de manhã, no trajecto entre as estações de metro de Alvalade e o Saldanha, contei dezassete pedintes, três vendedores da Revista CAIS, um violinista acompanhado por uma aparelhagem, uma vendedora de pensos dizendo-se refugiada da Bósnia e duas crianças em idade escolar. Propus-lhes que passem palavra uns aos outros e acordem numa data para irem para a Assembleia da República reivindicarem o direito de receber esmola, talvez assim os estercos se apercebam da miséria que grassa pelo país e todos sejamos aumentados para podermos voltar a dar a “esmolinha” do costume.
Temo pelas novas gerações numa sociedade liderada por gente sem valores e percebo agora porque é que o Tony Guterres é o Alto-comissário para os refugiados, pudera, com a experiência e treino que adquiriu no pátrio solo…

16 Comments:

Blogger Unknown said...

Oi Manel, quanto tempo hein, amigo?
Pois é, estou um tanto quanto a abandonar os amigos, ando meio cansada.
Bem, sobre só guardar as más lembranças, engraçado que comigo só acontece o contrário (bom, nem sempre), mas geralmente é assim. Sempre esqueço porque briguei, porque estou de mal humor, aí, perdesse a razão de se ficar com raiva, rancor ou outro sentimento chato desse... Mas tem o outro lado da moeda, que esquecendo tudo, acabo relevando muita coisa, que não deveria.
Fazer o quê, né!
Beijos saudosos

29 abril, 2006 20:05  
Blogger Menina Marota said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

30 abril, 2006 09:36  
Blogger Menina Marota said...

Li o teu texto duas vezes.

Acabei de chegar de um passeio com o meu cão, num dia que amanheceu com um sol esplendoroso, apesar do vento frio que aqui faz. O mar (este meu eterno amor...) está lindo, apesar da fúria com que bate nas rochas e na areia fina.
Ao ler-te, "vi-te" como um mar... um mar que sai do teu coração, na fúria das ondas que vêem morrer na areia fina.
Ouvindo a música e a voz da Maria Bethania, a fúria do mar, envolve-me em sentimentos, onde de um lado, estão as recordações boas, noutras, as más...
As tuas memórias, são de alguém que viveu e vive a Vida com uma intensidade e é nessa intensidade, mesmo que dolorida, que vai buscar a força, para continuar… O que eu poderia dizer-te, está aqui expresso na voz de Bethania e na canção (adoro-a) que escolheste… É a letra desta canção que te deixo, porque ela diz tudo o que eu gostaria de dizer.te…

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais..
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz quem sabe?
Eu só levo a certeza do que muito pouco eu sei..
E nada sei..
Conhecer as manhas e as manhãs...
O sabor das massas e das maçãs...
É preciso amor para poder pulsar..
É preciso paz para poder sorrir..
É preciso chuva para florir..
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente..
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada
Eu sou...e pela estrada eu vou...
Conhecer as manhas e as manhãs...
O sabor das massas e das maçãs...
É preciso amor para poder pulsar..
É preciso paz para poder sorrir..
É preciso chuva para florir..
Todo o mundo ama um dia..todo o mundo chora..
Um dia a gente chega..o outro vai embora..
Cada um de nós compõe a sua historia..
e cada ser em si carrega o dom de ser capaz de ser feliz....
Conhecer as manhas e as manhãs...
O sabor das massas e das maçãs...
É preciso amor para poder pulsar..
É preciso paz para poder sorrir..
É preciso chuva para florir..
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais..
Cada um de nós compõe a sua historia..
e cada ser em si carrega o dom de ser capaz...de ser feliz..


Um beijo carinhoso, neste domingo de sol…

30 abril, 2006 09:41  
Blogger Micas said...

Faço minhas as palavras da "menina marota" e subscrevo as tuas "Exige a ética democrática que se purgue já a função pública pelas derrapagens orçamentais do CCB, Ponte Vasco da Gama, Expo 98, Euro 2004, Casa da Música e outras megalomanias típicas de liliputianos cerebrais." Este é o nosso maior mal, somos uns pobrezinhos com mania de ricos...

Tenho andada arredada da blogosfera devido a problemas informáticos que me tem impedido de postar, visitar e principalmente comentar. Espero ter td resolvido em breve. Bom domingo. Beijos

30 abril, 2006 11:45  
Blogger ALG said...

Amigo Manel:
"País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”
Nada mudou, continua a mesma m****, tb estou farto desta corja, cada vez mais desemprego e concidadãos a viver mal para que uns quantos tenham tudo e mais alguma coisa!
Vê lá mas é se arranjas uma mota para combinarmos uns passeios no nosso Alentejo. Ao menos sempre distraímos!
Um abraço.

30 abril, 2006 22:58  
Blogger zita said...

Tanto sentido que me fez o que li... a musica,´essa é fantastica como só betania sabe ser... voltarei...

01 maio, 2006 23:08  
Blogger Conceição Paulino said...

olha, boa noite, tnho k voltar menos cansada paar ler (bem). Bjs de Abril e Maio

01 maio, 2006 23:40  
Blogger Isabel Filipe said...

"...Hoje, como há trinta e dois anos, somos últimos na Europa, o que mudou?
"...

sem dúvida.

brilhante o teu texto...como sempre.

fiquei a matutar no que dizes sobre a diminuição do nº de elementos das FA...nunca tinha visto a questão do modo que colocas...

tem uma boa semana
beijos

02 maio, 2006 13:17  
Blogger Isabel Filipe said...

brilhante o teu texto...como sempre.

fiquei a matutar no que dizes sobre a diminuição do nº de elementos das FA...nunca tinha visto a questão do modo que colocas...

tem uma boa semana
beijos

02 maio, 2006 13:24  
Blogger dr x said...

Menino, esse mês vc só postou 2 vezes!!!
Fico chateada em te ler falando dos políticos do seu país...
Será que existe algum que não seja tão ruim assim como o seu e como o meu...aqui, breve teremos eleições...Bjs, Bete

02 maio, 2006 17:14  
Blogger ALeite said...

Pois valeu a pena passear pelo montado. Boa noite kamarada.

03 maio, 2006 01:11  
Blogger LUIS MILHANO (Lumife) said...

Quadro real do quotidiano português que só não vê quem é cego ou não quer ver ou ainda quem não tem sensibilidade para a miséria que alastra dia a dia.

Muito gostávamos que tivesse estado presente no nosso Encontro mas outras oportunidades surgirão pela certa.


Um abraço

03 maio, 2006 13:43  
Blogger O Transmontano said...

Grande Manel,
Este é o texto que já havias dito várias vezes, sempre que pudemos conversar ao som de uma boa refeição e de um rouge que felizmente ainda não tem o sabor da política...
Companheiro, as FA, essas já não existem.
Existe sim, um pequeno Castro, onde estão confinados uma cambada de Generalecos, rodeados de ciclistas, Oficiais e Sargentos, à espera da promoção por questões de tudo menos de ética...
Enfim, um CEMGFA, acéfalo, e uns CEM's que até já têm tiques, e uns SOLDADOS (?), que disse eu?...
Manel, que Deus me perdoe, mas se Salgueiro Maia, tinha que morrer vitimado por um cancro, antes o mal-fadado Alferes tivesse cumprido a ordem de ter disparado contra o Cavaleiro, podia ser que assim tivesse abortado um 25 de Abril e desse modo estes filhos da p**** destes políticos, estivessem agora no sítio onde nunca deveriam ter saído: - Caxias, Argel e estranja, onde leurs amis, os pudessem sustentar nos vícios que agora lhes pagamos.
É pena que as FA, estejam pejadas de cobardes e pajens sem valor que se borrariam todos se alguém agora lhes falasse em dar a volta ao texto.
Um abraço meu amigo e obrigado.

03 maio, 2006 22:36  
Blogger Conceição Paulino said...

Ai, manel, só me saiem ais. doi-me num lugar desconhecido mas doi.
bj

04 maio, 2006 11:59  
Blogger lena said...

a forma como te expressas envolve-me e um segredo: sou funcionária pública, mas compreendo-te tão bem que até concordo

vim dizer-te que estou melhor, agora é preciso tempo e não fazer asneiras, tentar controlar-me e seguir tudo direitinho, não virei tantas vezes como gostava, mas virei,

obrigada pelo teu carinho, pela dor que quiseste repartir, até aliviou, saber que desse lado está alguém tão especial, deu-me mais força para continuara, mesmo lentamente,
adoro-te por seres assim nessa nobre solidariedade

abraço-te com muito carinho meu querido amigo e beijinhos muitos

lena

04 maio, 2006 17:12  
Blogger LUA DE LOBOS said...

A autora Maria de São Pedro, a Papiro Editora e a Fnac têm o prazer de convidar V.Exas. a estarem presentes para o lançamento do livro GATO PEDRA no dia 19 de Maio, pelas 19.00h na Fnac - Cascais Shopping.

05 maio, 2006 10:54  

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