sexta-feira, janeiro 13, 2006

Fuga...

São 05H45 da madrugada de 13 de Janeiro deste ano sem graça de 2006. Acordei há cerca de uma hora e quis ver nascer o dia. Faz hoje doze anos que aterrei em Sarajevo e, mesmo fazendo força para que as memórias se vão, há algo automático em mim que me recorda as datas e me faz estar acordado…porquê? Eu sei lá!
Decidi escrever sobre o que me vai na alma, pelo meu pai e pelo que ele representou para mim. Vivo em Lisboa e desejo o meu Alentejo. Esta cidade é impessoal, pouco acolhedora e está parasitada de gente que não lhe quer bem, nem nos quer bem.
Admiro todos aqueles que conseguem criar imagens de arte e poesia, que publicam momentos captados em objectivas mas que primeiro lhe alertaram a sensibilidade ocular e a dos sentidos. Admiro-vos blogoamigos porque no meio de tanta desgraça sonham e exprimem-se de forma tão bela. Como eu queria ser assim… mas não sou capaz, perdi a sensibilidade longe daqui…muito longe. Mas tal não vos torna menos sensíveis ao que nos rodeia, pois conseguem elevar o belo no meio do cenário cinzento do luso burgo. É por isso que os admiro.
Vou continuar a escrita depois…vou escrever para o Orgia Política, obsequiaram-me deixando que escrevesse naquele espaço. Agora, ah! Agora vou ver o amanhecer a Carcavelos, correr atrás das gaivotas e pensar…pensar no que calhar. Vou sonhar que sou livre…livre de tragédias, de grilhetas morais, de comportamentos estereotipados…simplesmente livre, tão livre que até vou mijar no mar, sem me importar que me vejam.
Que se lixe, já sei que quando sair a minha mulher vai refilar comigo, mas no regresso trago-lhe uns scones quentinhos e passa-lhe. Preciso destes momentos, respiro-os.

São quase 06H30 e apeio-me do carro. Por cautela levo o “Joãozinho meia dúzia” comigo. O Joãozinho é um grande dissuasor, é frio, é de aço, mas num instante cospe fogo, é só apertá-lo que sai logo chumbo quente. Para além de uns carritos de vidros embaciados por dentro (claro), nem vivalma.
Assobio baixinho e começo a cantarolar enquanto em dirijo para a praia…relembro o dia em que, com apenas dezassete anos, apanhei o comboio para Lisboa…
(…)
When I left my home and my family
I was no more than a boy
In the company of strangers
In the quiet of the railway station
Running scared
(…)

Recordei a minha infância. Fui criado com valores morais típicos da província. Naquele ambiente os pais, os professores, os mais velhos em geral, eram alvo de um respeito reverencial, estava fora de questão responder de forma menos própria a qualquer deles. Inimaginável. O professor era um amigo, ainda é, mas hoje é visto como um carrasco por essas gerações que não souberam inventar os seus ícones e mitos, importaram-nos de outros países, não têm imaginação, são tecnológico-dependentes.
Sinto uma nostalgia da segurança com que brincava nas ruas e nas velhas muralhas que circundam a cidade, assim como nas matas que circundavam a Namaacha e depois a Beira. Os meus filhos não a têm. Quando cresci, os bailes de garagem eram o verdadeiro detonador para a adrenalina que nos assaltava. Sabia de cor quanto durava o “Je t’aime”, o “Samba Pa Ti” e outros tantos slows…E o consolo duma dança de “esfrega” zip no zip? E quando, a meio de um slow, surgiam as dores de crescimento, as tais por a marioneta se enrolar nos cordelinhos? Rio e cantarolo.
(…)
Asking only workman's wages
I come looking for a job
But I get no offers
(…)

Relembro o estado da justiça, da que almejo e sirvo, não o direito, já o escrevi antes, mas a justiça que encontra no direito positivo os valores que os homens lhe roubaram. Vendaram-na para que não visse o mau uso que fazem do seu nome e não porque é cega nas decisões…que mentiras nos ensinam nas escolas. Becas e togas negras de luto por uma justiça assassinada e sem corpo…Peço justiça, peço-a mesmo!
Vivemos numa sociedade em que os criminosos detêm direitos ilimitados e os cidadãos cumpridores deveres, só deveres. Os burlões são modelos a copiar, pagar em dia ao fisco é ser parvo, há até quem se vanglorie de não pagar impostos. Auto condenamo-nos a penas de reclusão voluntária, pomos grades nas janelas para protegermos o delituoso da ameaça pacífica que representamos. Há professores maltratados nas escolas, polícias mortos por um poder de fogo superior vindo dos gangs que já invadem a nossa terra.
Ter valores é ter um telemóvel 3G, um carro XPTO, roupas de marca (não são todas?) e outras merdelices do género. Quando posso e é fácil de tirar sem estragar, retiro a etiqueta da marca, não faltava mais nada; pago um preço do caneco e ainda lhes faço publicidade? Acabei de fazer o gesto com os dedos…ora toma!
Condenar o preto ou o cigano pelo crime que cometeu é ser racista…sei que há o inverso…os nórdicos são turistas e os africanos emigrante ilegais. Sei isso tudo.
Os amigos são os chatos dos chats e as verdades da vida a mentira que aí se escreve; Pinta-se a pessoa que queremos ser, sem pudor de magoar, só por prazer físico, um filme em DVD vale mais que uma boa conversa. Manda-se calar o marido para se ouvir a novela, ou a mulher para se ver o futebol…Estou farto, mas não desisto!
(…)
Then I'm laying out my winter clothes
And wishing I was gone
Going home (…)

Todos pensam que têm nível, que são informados, que ler alguns jornais e ouvir uns telejornais chega. Como aquele senhor “in” que estava na esplanada da Mexicana e que, ao ouvir-me comentar com um amigo sobre os Diálogos Socráticos, se voltou para o companheiro de mesa e lhe disse cheio da certeza de quem enuncia um axioma:
- Agora o tipo também quer conversas em família como o Caetano!
Ri para dentro, não há outra forma. Nem todos são obrigados a ler os “diálogos”, agora, largar bojardas com convicção de certeza matemática é próprio, é nosso, é típico do xico-espertismo luso. Acabou, não há pachorra!
Pronto, que se lixe, não desisto, mas também pudera, chamar Sócrates a um meco como o primeiro-ministro é o mesmo que chamar matulão ao António Vitorino.
Não desisto, acredito que um dia isto dá a volta…Amanhece…não chove nem cai orvalho, está um frio do…pois, desse mesmo…que país…desse mesmo!
(…)
In the clearing stands a boxer
And a fighter by his trade
And he carries the reminders
Of every glove that laid him down
Or cut him till he cried out
In his anger and his shame
"I am leaving, I am leaving"
But the fighter still remains
Yes, he still remains.

Vou dormir um pouco, tomar banho, vestir fato e por a coleira social. Vou continuar a ser um disfarçado, um engravatado pouco convicto. A minha grandeza é outra e não me é dada pela pose engravatada. Que bem que me soube mijar na praia…

26 Comments:

Blogger Zica Cabral said...

ai Maneli, isto tá dificil.... para começar só à 10ª clicada no sitio dos comentários é que abriu a porcaria do quadradinho onde se escrevem os ditos, depois, embora esteja de acordo contigo em tudo o que dizes, acho-te muito pessimista e desalentado. Nem tudo é mau Manel. Há ainda pessoas cujos os valores não são só os carros XPTO nem as camisas e camisolas de marcas socialmente "bem". Há pessoas cujos os valores são a honestidade, a solidariedade e outros conceitos no género. E são amigos............e sabem sê-lo. Nas horas más e boas. E depois, há sempre a praia de Carcavelos (onde eu passei parte da minha infancia) para se fazer uma mijinha que sabe tão bem.
Não, nem tudo é mau. Ainda há professores que são amados e respeitados (eu sei, cada vez menos) e ainda há alunos que querem aprender para aprender e não pra ganhar ouns largos carcanhois ao fim do mês. Ainda há gente honesta que paga os impostos mas que fica danada porque os que não pagam andam de barriga cheia.......mas ainda os há.
Vai ao meu bloguinhos das palavras. Hoje pus lá um post embora tivesse interrompido a Joana.....ficará para mais tarde. E diz-me a tua opinião acerca do que escrevi
beijinhos enormes e muito amigos e um sorriso de orelha a orelha para te animar
Zica

13 janeiro, 2006 20:15  
Blogger ALG said...

Como eu te compreendo, em vários aspectos que abordas neste magnífico texto! Gostei da foto (tirada na também minha FDL).
Realmente assim que puder, também anseio voltar para o "nosso" Alentejo onde podemos andar pelos montes sem nos preocuparmos com a criminalidade que por cá vai imperando, até lá, sempre de Beretta, não vá o diabo tece-las!
Um abraço Manel!

13 janeiro, 2006 21:47  
Blogger Cristina said...

Olá Manel,
Vejo que o teu passado ainda faz muito parte do teu presente. Existem coisas que se passam nas nossas vidas, que nuna conseguimos esqueçer mesmo
:)
Tem um lindo fim de semana
beijinhu

13 janeiro, 2006 23:40  
Blogger paper life said...

Hoje estou mt cansada. Amanhã venho ler.
Hoje desejo bfs.

Bjs :)

14 janeiro, 2006 00:13  
Blogger lena said...

senti nostalgia ao ler-te,
viajo na tuas palavras, umas trouxeram-me recordações minhas, outras a saudade, sentir o que escreves é importante, surpreende-me a forma como descreves cada momento
como compreendo muitos deles, mesmo sem nunca ter estado em Sarajevo

gostei do teu final, vou muitas vezes de manhã cedinho ver o mar ou ao entardecer, quando o sol descansa sobre ele, mas não te encontrei por lá,
claro que o encontrar-te lá é a brincar

beijinhos muitos e bom fim de semana

lena

14 janeiro, 2006 12:45  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi Manel...

Como eu te entendo e como é bom ler-te...
tanta tristeza e tanta revolta nas tuas palavras...

oxalá tenhas razão...e que realmente isto consiga dar a volta...pois sinceramente...não sei onde iremos parar no meio desta porcaria e corrupção que reina pelo nosso Portugal.

Um beijo

14 janeiro, 2006 15:16  
Blogger Micas said...

Os teus textos são magníficos, oportunos e que apelam sempre à nossa reflexão. Não te conheço mas tenho a certeza que és uma pessoa de extrema sensibilidade por tudo o que já viveste, uma pessoa atenta e acima de tudo inteira e verdadeira. Bem Hajas Manel.

14 janeiro, 2006 22:22  
Blogger Conceição Paulino said...

olha manelii,estou feliz por estares de vez e de corpo e alma no orgia. Ms não concordo, de todo e em absoluto, qnd dizes k perdeste a sensibilidade.
Ela espraia-se na tua escrita. Eu sei pq aleio enão tenho k te dar cera nenhuma ( tmb estarias mal servido. Ficavas baço). Bomdomingo. Bjs s e:)

15 janeiro, 2006 00:01  
Blogger Unknown said...

"Por que o Sol saiu
Por que o seu dente caiu
Por que essa flor se abriu
Por que iremos viajar no verão
Por que aqui o mundo não será cão

O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é teu, Sebastião"

Manel, esta música é do Nando Reis, ex-integrante da banda Titãs.
Eu sempre tento me lembrar desta música, que ele escreveu para seu filho, pois dá um ânimo novo.

Pois é, o mundo é bão, Manel. Ânimo, vamos fazer como o bater de asas da borboleta na teoria do caos.
Beijoks

15 janeiro, 2006 02:06  
Blogger paper life said...

Eu disse que voltava para ler e voltei.

Tive um fim de semana de mais dormir que fazer. Cansada de ver perseguições no local de trabalho e outras "belezas de época" como essa.

Bem, os diálogos tenho ainda o mesmo livro desde os 16 anos. Mas também já nessa altura era maluca.

Gosto de te ler e vou continuar. è só escreveres.

Beijos e boa semana.

Ps: Ainda frequentas a Mexicana? É por essas e outras que virei bixo de mato nesta cidade de atlectas do "intelecto" lololol.

:)

16 janeiro, 2006 15:07  
Blogger Henrique Santos said...

Estou como o ZC ai Maneli,
De facto este texto tem aspectos que nos obriga a relê-lo várias vezes... mas é sobretudo uma defesa de teses, de princípios, e nesta sociedade encapuçada, eu também te digo, Maneli que bem me saberia mijar agora na praia...
Kanimambo molungo...
Um abraço, Ricky

17 janeiro, 2006 11:59  
Blogger paper life said...

Eu escrevi bixo? com X?

Devia ter vindo da Mechicana...

BICHO, desculpem

:)

Bjs Manel

17 janeiro, 2006 22:09  
Blogger Isabel Filipe said...

Manel....

cadê tu????

estás bem????

Bjs

18 janeiro, 2006 10:04  
Blogger Afrodite said...

Nem todos são obrigados a ler os “diálogos”, agora, largar bojardas com convicção de certeza matemática é próprio, é nosso, é típico do xico-espertismo luso. Acabou, não há pachorra!


A ignorância cuspida por quem se crê dono da verdade .... Acabou, não há pachorra!

Este teu texto está fabuloso!
Um beso cariñoso

18 janeiro, 2006 18:28  
Blogger Isabel Filipe said...

...passei...não tens Post novo...aproveito e desejo-te um bfds

bjs

20 janeiro, 2006 10:07  
Blogger Fábio Frohwein said...

este blog é um lixo! pura diarréia mental! pára de ficar vomitando esterco na net!

21 janeiro, 2006 17:11  
Blogger Vostradong said...

Tens de ver o novo filme do Sam Mendes, "Jarhead"!!!...

21 janeiro, 2006 17:14  
Blogger paper life said...

Bom fim desemana, Manuel.

Vota.

Bjs :)

21 janeiro, 2006 22:37  
Blogger aDesenhar said...

olá Manel

li o texto todo e ao chegar ao final encontro uma gravata a dita coleira social :)
não leves a mal mas
és obrigado a usá-la por razões profissionais?
:)
bf d semana

22 janeiro, 2006 00:20  
Blogger Menina Marota said...

Vim deixar-te um beijo, ainda não li nada, mas estou aos poucos de regresso...
Beijo meu ;)

22 janeiro, 2006 15:41  
Blogger Memória transparente said...

Mais um artigo ao estilo de que nos vem habituando, abrangente, atento e directo. Beijinhos.

23 janeiro, 2006 22:46  
Blogger Viscondi said...

Caro Montado, por vezes, sem ter tido o desprazer de viver as experiências que tu viveste, sinto que não acredito na humanidade como um todo. Sinto que eu faço parte de uma espécie em extinção. Nada aqui se faz, sem que haja algum interesse por trás.
é uma pena, pois somos sere pensantes e não utilizamos este poder para o bem, nem nosso, nem dos outros.
um abraço.

24 janeiro, 2006 16:41  
Blogger O Transmontano said...

Caro Amigo,
Estar a comentar os textos, era retirar-lhes a qualidade literária que possuem.
Basta ler, apreender e meditar neles e na consequência que poderiam ter na sociedade se não fôsse-mos tão egocentristas e comodistas.
Um abraço e hasta pronto.

24 janeiro, 2006 20:25  
Blogger Henrique Santos said...

Passei para te relêr e te dar um abraço. Estou de molho com umna virose... se se pega ao PC... eheheheheh Bebe um copo por mim que eu estou proibido....
Ricky

26 janeiro, 2006 11:41  
Blogger Menina Marota said...

Já li o texto duas vezes, mas o som dos Simon & Garfunkel levam o meu pensamento para uma outra forma de sentidos e não consigo comentar-te. Talvez porque neste momento, dou graças a Deus por poder ser da forma como gosto e como quero ser. Não obedeço a padrões daquilo que os outros querem, mas sim, aos meus próprios sentidos e sentimentos. Este tempo, em que estive "cativa" de não conseguir fazer as coisas de que gosto, mostraram-me a beleza de sermos nós próprios a comandar a nossa vida e aquilo que gostamos realmente de fazer.

"...Agora, ah! Agora vou ver o amanhecer a Carcavelos, correr atrás das gaivotas e pensar…pensar no que calhar. Vou sonhar que sou livre…livre de tragédias, de grilhetas morais, de comportamentos estereotipados…simplesmente livre, tão livre que até vou mijar no mar, sem me importar que me vejam.(...)

Espero que continues a escrever aqui... que não esqueças que tens aqui quem gosta de te ler, que admiram a força das tuas palavras e, acima de tudo, na forma como o fazes...
Eu gosto! E, gosto de estar aqui a ler a transcrição tão realista de tudo aquilo que escreves.

Um abraço terno e bom fim de semana ;)

27 janeiro, 2006 22:39  
Blogger lena said...

vim desejar-te um bom domingo, gosto de te vir reler, dessa força que consegues transmitir

um beijo meu, para ti

lena

28 janeiro, 2006 22:28  

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